Eu me mudei para Nova York em 2005, logo depois de deixar o grupo de rap DMN, do qual fiz parte por mais de 15 anos. Minha trajetória na militância começou com a banda, no fim da década de 80, fazendo palestras, nas periferias de São Paulo, sobre autoestima e racismo. Também fui coordenador de atividades da Associação Beneficente Educacional Vila Conceição (ABEVIC), e isso tudo fez com que a CUFA (Central Única das Favelas) notasse a minha luta e atuação dentro e fora das favelas de Sampa. Quando cheguei a Nova York, o Preto Zezé, o presidente global da CUFA, sempre me chamou para fazer parte da ONG, até que aceitei dirigir a filial, que nasceu em 2015.
O racismo sempre foi pauta de discussão dentro e fora das favelas, gabinetes políticos, faculdades etc. e, pela Cufa, nasceu uma perspectiva de dar oportunidade e voz para os que não tinham.
Minha análise sobre esse momento, com o assassinato de George Floyd, morto por um policial na última segunda (25/05), em Minneapolis, é que continuamos sendo mortos pela polícia racista dos Estados Unidos, que não sofre punição. Isso tem acontecido sistematicamente com pessoas negras, e poucos são os culpados e condenados. No meu ponto de vista, esse tipo de crime deveria prever pena de, no mínimo, 40 anos, já que a função da polícia é dar segurança, e não tirar a vida ou propagar medo nas crianças negras que já convivem com essa imagem covarde. Sabemos que existem movimentos fascistas, nazistas por trás disso tudo. Isso tem que acabar, não há mais espaço para o extermínio de gente preta.
Em contrapartida, o racismo no meu Brasil é um dos mais covardes do mundo, por ser velado. A quantidade de pessoas negras mortas diariamente é um absurdo, o que acaba banalizado, tornado uma barbárie, a coisa mais “normal” do mundo. Por mais que tenhamos uma lei que diz que a prática do racismo é crime inafiançável, o número de pessoas condenadas por racismo quase não existe. As pessoas desrespeitam os negros em todos os lugares, com ofensas e xingamentos pesados, teor racista, e tudo acaba com um pedido de desculpa sem nenhuma consequência.
Essa história de meu país ser um país mestiço confunde a cabeça dos estrangeiros porque, no final do dia, os negros é que são prejudicados, vivendo nas piores condições, além de serem alvos de todas as injustiças, por exemplo, negros são descritos em retratos falados, mesmo se o tom de pele for mais claro. Com isso, a quantidade de negros presos injustamente e mortos por serem confundidos é um grave problema no Brasil.
Temos tentado um diálogo mais pacificador em busca de uma solução, mas infelizmente estamos no limite. Embora muitos negros ainda queiram se ajustar ao universo branco, por acreditar que “somos todos iguais”, isso não passa de ilusão. Temos culturas diferentes, somos descendentes de um continente diferente. O mais importante é o respeito — se não gostam da gente, não camuflem, assumam a intolerância para que a gente não se iluda e crie nossas próprias condições de prosperidade.
João Pedro, de 14 anos, foi assassinado pela polícia dia 18 de maio, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em sua casa. Policiais deram mais de 70 tiros de fuzil onde ele estava com a família, ou seja, tanto faz quantos negros serão mortos nessas ações da polícia, porque nos veem como marginais e não importa a idade, basta sermos negros. Muito revoltante!
Muitos se acostumaram com essa situação constante, o que não faz nenhum sentido. Existem algumas lutas a ser travadas, como fazer com que as leis de proteção ao ser humano sejam realmente respeitadas e que atos racistas sejam punidos. Também gostaria que o nosso povo não se deixasse dividir por classes sociais, graus de instruções, categorias artísticas etc., o que acaba os distanciando naturalmente da maioria pobre e preta do Brasil, para atenderem a uma categoria mais intelectualizada sobre a questão racial.
Estamos em movimento desde o Quilombo dos Palmares, e os mais esclarecidos têm que ajudar os que ainda não conseguem ter o mesmo acesso às informações por muitos motivos. Em pleno século XXI, muitos pais tentam convencer os filhos a ‘clarear’ (a casar com brancos) a família para sofrerem menos porque carregam essa dor da injustiça. A melhor saída é que não importa se é negro de favela ou doutor; a nossa luta tem que ser por justiça. Gostaria que os bons policiais abrissem a boca e falassem algo contra essa brutal desumanidade, para que realmente possamos acreditar que não está a serviço dessa corporação e aceitamos tudo calado!
Luís da Silva, ou Eli Efi (nome artístico), é rapper e diretor do escritório da CUFA, em Nova York – funciona desde 2015, num casarão no Bronx, interagindo com outras 16 representações fora do Brasil. Luís mora na cidade americana desde 2005, quando deixou o grupo de rap DMN (Defensores do Movimento Negro), depois de 15 anos, por onde começou a militar dando palestras em favelas de São Paulo. O grupo tornou-se uma referência no movimento Hip Hop brasileiro e na luta pelos direitos do povo preto.
(Por Viviane Faver, de NYC)