Há alguns dias, postei no meu perfil no Facebook, um texto sobre o (re) lançamento das meias #havaianas com aquele espacinho entre os dedos para caber direito no chinelo da mesma marca. Dizia mais ou menos isto: “Nove em cada dez encontros, seminários, oficinas, lives e reuniões virtuais que eu faço aqui, na Serra Fluminense, onde eu moro, a 100 km do Rio, são assim: camisa com casaco bonitinho na frente da câmera e calça de moleton com chinelo e meias abaixo da câmera.
Mas há algo que eu venho percebendo em mim há tempos, que só se fortificou na pandemia/isolamento e que tem tudo a ver com o consumo de conteúdo sobre o qual eu me dedico todos os dias. É o seguinte: o componente em mim, que me faz consumir por emoção ou impulso, tá muito restrito.
Tudo me acende a pergunta: vem cá, eu quero/preciso mesmo disso? Aprendi, com o exercício diário da checagem de fatos, que as pessoas consomem e compartilham conteúdo noticioso da mesma forma que compram roupas e objetos: por impulso, movidas por emoções e por uma necessidade de validação enormes.
Daí que a realidade de um par de meias custar R$ 55 grita (sem contar o frete). E pior: um par de meias para usar com chinelos, o que não é exatamente algo a ser exibido por aí como prova de status ou descolamento. Então por que tão caro? Ou seja, nem me ocorreu comprar ali. Posso estar enganado, mas a volta da camelotagem nas ruas vai trazer essa “novidade” por R$ 30 dois pares, assim que esse pesadelo acabar (se já não está acontecendo).
É a resposta do mundo real, pandemizado, a uma realidade tosca e cruel. Alguém pode argumentar que a qualidade, que a marca, que isso, que aquilo…, mas, se esse meu estado de espírito estiver sendo compartilhado pelo meu reduto de amigos — e pelos comentários deles, acredito que sim —, então os departamentos de marketing das empresas vão ter que repensar fortemente essa ideia de “valor da marca” e “lucro embutido”.
E vamos usando as meias velhinhas e comuns com nossos chinelos, até os camelôs começarem a vender suas versões a R$ 30 dois pares. O que me parece razoável.
No final do post, eu observava que uma uma amiga me disse que o espaço para insensatez nesta pandemia diminuiu muito. Ela torce, também, para que isso seja um ponto de virada para todo um país, um momento de reflexão sobre o quanto dependemos uns dos outros e sobre a necessidade de construir pontes em vez de detoná-las. Bastou.
O restante foi babado, confusão, gritaria e tapa na cara. Um grupo compartilhando da esperança de que essa quarentena tenha-nos feito perceber o que verdadeiramente importa, ao fim e ao cabo: saúde e aconchego. Outro grupo achando que as aglomerações em shoppings e praias nesses ensaios de reabertura mostram que as pessoas continuam pensando só nelas mesmas e que quem já era do mal antes da pandemia não sairá dela renovado. Eu estou com os otimistas. E você?
Gilberto Scofield Jr. atualmente é diretor de Estratégias e Negócios da Agência Lupa, mas já foi assessor de comunicação e marketing da Agência Nacional do Cinema (Ancine), consultor na secretaria de comunicação da Presidência da República, editor do jornal e do site de O Globo (passando cinco anos como correspondente em Pequim, na China; e dois anos em Washington, nos EUA), além das redações de vários jornais, sites e revistas.