Depois de o vídeo das tartarugas, alimentando-se no costão do Parque do Flamengo, viralizar nas redes sociais, passei um bom tempo, nos últimos dias, explicando causa e efeito do espetáculo gravado. Todos, tanto nas redes sociais como na imprensa, estavam atônitos com a esperança de que a pandemia tivesse, de alguma forma, contribuído para aquela imagem paradisíaca em plena degradada Baía de Guanabara.
Infelizmente, por obrigação com a verdade, aquela que tem gosto amargo, mas dizerem que liberta, tive de explicar a realidade dos fatos.
Em relação às águas cristalinas, aquela bela e atípica paisagem nada mais era do que o resultado da ação conjunta da poderosa ressaca que varreu boa parte da costa sul e sudeste, associada à maré alta de lua cheia. Não por outro motivo, é que várias praias e áreas urbanas próximas foram invadidas pelas águas do mar.
Quanto às simpáticas e belas tartarugas que se alimentavam no costão, sempre que passo pela Marina da Glória, com suas águas poluídas, vejo várias tartarugas alimentando-se das algas presas nos cascos das lanchas, bem longe do perigoso contato humano.
Pela ausência de pessoas transitando, é claro que animais normalmente arredios vêm se sentindo mais seguros para se alimentar tranquilamente em locais normalmente evitados. Para cada explicação que eu dava, sentia, da outra parte, uma clara decepção, como se desmancha um castelo de areia montado com todo carinho. Afinal, em outros lugares, diversos animais silvestres têm aparecido em áreas urbanas conhecidas mundialmente.
No caso do Rio, essas aparições devem estar acontecendo, potencialmente, nas areias das praias interditadas, visto que o excesso de pisoteamento é um dos fatores que eliminam ou reduzem a presença, por exemplo, dos tatuís, bem como do caranguejo-maria-farinha.
Como não existe espaço vazio na natureza, à medida que alguém desaparece, outros surgem para tomar o espaço, bem como para servirem de comida para outros, e assim por diante.
Provavelmente, nas áreas de restinga próximas das praias ainda com esse tipo de ecossistema, lagartos teiús devem estar aparecendo mais à vontade, durante o dia, fazendo passeios despreocupadamente. Contudo, no caso da Baía de Guanabara e do sistema lagunar de Jacarepaguá, infelizmente a realidade continua a mesma de sempre, com ou sem pandemia, visto que as causas principais da degradação continuam agindo mesmo com o confinamento.
Esgoto sem tratamento e resíduos de todos os tipos seguem sendo produzidos independentemente das ações tomadas para conter o novo vírus; afinal, as pessoas não pararam de defecar tampouco de lançar seus resíduos nos rios, como sempre fazem. E a questão do saneamento universalizado é mais um direito constitucional que ainda continua num futuro distante, sem data para chegar de fato.
Portanto, no caso da Baía de Guanabara, o espetáculo admirado vai durar pouco e, no sistema lagunar, além de continuar só piorando – dia após dia, eleição após eleição -, o grande volume de água salgada e limpa que entrou nas lagoas assoreadas, em decorrência da ressaca e maré de lua cheia, remexeu o fundo pútrido delas, liberando gás sulfídrico e metano na coluna d’água e no ar. Foi aquele cheiro de ovo podre por vários dias, no “Sorria você está na Barra”, além da morte de centenas de quilos de peixes que ainda se aventuram pela região.
Nada de novo aconteceu. Tudo passou quase despercebido, a não ser pelo mal cheiro de ovo podre, dos peixes em decomposição ou pela formação de verdadeiros pastos de gigogas tomando consideráveis extensões do espelho d’água das lagoas da região. Como já disse, nenhuma novidade!
Finalmente, foi com profunda preocupação que recebi inúmeras denúncias da parte de frequentadores a respeito de loteamento com desmatamento no Parque Municipal Natural de Grumari, a última grande área compacta de restinga acessível publicamente do município do Rio.
Para tornar a situação ainda mais estranha, o desmatamento tinha autorização da Fundação Parques e Jardins da Prefeitura do Rio, fato que está sendo investigado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e pelo Inea, visto que as justificativas apresentadas para o corte, na minha opinião, estão bem casuísticas.
Infelizmente, nem em tempos de pandemia, delinquentes ambientais tiram férias. Felizmente, quem tem alguma noção da importância da natureza, também não.
O vídeo da tartaruga que viralizou nas redes:
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