Acho que, apesar de ter completado 83 anos agora, 19 de março, em plena quarentena, não me considero fazendo parte do grupo de risco: acho que sou apenas meio grupo de risco, já que tenho uma saúde que poucos jovens têm. Saúde total: mental, física e espiritual. Fiz uso recreativo de drogas quando mais jovem, como a maioria, e adoro uma cachaça. Mas me cuido muito: faço ginástica, alimentação saudável, sem fanatismo, como de tudo sem exagero. Faço ioga desde os 20 anos.
Tenho muita fé em Deus e sempre acredito que tudo vai dar certo. Acho que o mundo estava precisando desacelerar, ninguém tinha tempo pra nada, nem mesmo pra pensar em si próprio, menos ainda nos outros. Chegou o momento em que, antes de nos protegermos, temos de proteger o outro; estávamos precisando dessa lição do coronavírus. Não tenho medo da morte — acho justo que deem preferência para a cura dos jovens na falta dos aparelhos necessários, como vem acontecendo na Itália. Não que eu deseje isso a ninguém. Não me desespero com nada.
Eu, pessoalmente, estou muito bem sozinha, agradeço todos os dias, adoro minha casa, me ocupo o tempo todo, fazendo tudo que não fazia antes: cuido do jardim e só agora me dei conta de que tenho 54 vasos grandes e lindos para cuidar. Quem fazia isso antes era o meu marido, Zé Hugo, que infelizmente não está mais comigo.
Limpo a casa, leio, cozinho e descobri um maior prazer nisso. Falo com as minhas amigas sem a sensação de que estou atrapalhando; agora, elas estão menos ocupadas. Medito no meu terraço, com o Cristo de braços abertos na minha frente, o que me traz muita paz. Só ligo a TV à noite. O único momento triste é quando vejo as notícias. Ligo meu celular o mais tarde possível, não uso redes sociais — tenho até certa implicância. Li, em algum lugar, que o coronavírus foi a maneira encontrada pela biosfera, mesmo com grande sofrimento humano, para se reequilibrar. O equilíbrio depende de cada um de nós. Vamos tentar; o mundo estava precisando dessa transformação. Desejo a todos fé, força e coragem. Fica em casa! Vai passar.
Marialice Celidônio virou modelo aos 80. Atualmente cuida do sítio em Sapucaia (RJ), que aluga frequentemente, com horta, galinha, lago com peixes, jardim, queda d’água e caseiros que cozinham. Também tem plantação de três mil pés de palmito, tudo feito pelo chef Zé Hugo Celidônio (1932-2018), com quem foi casada a vida toda.