O primeiro passo é o sincero reconhecimento, pessoal e/ou coletivo, de que se está doente. O estado de negação tem sido, em inúmeros casos, a diferença entre a vida e a morte de quem já passou por algum grave problema de saúde, seja ele qual for, bem como da prosperidade ou do desaparecimento de culturas inteiras. Já aconteceu antes e continuará acontecendo.
Digo isso por experiência própria, por experiência aprendida com meu sábio pai: logo que identificado o problema, fruto ele do que quer que seja, as causas devem ser neutralizadas e as consequências, tratadas, visando a restabelecer o equilíbrio perdido.
Foi dessa simples, mas árdua forma, que ele sobreviveu por duas décadas aos mais diversos problemas de saúde, mantendo o equilíbrio da minha família. Ensinou-me, na prática, a cuidar de mim, da minha família e, consecutivamente, do ambiente, o qual defendo nessa guerra fratricida.
Quando olho para a cidade do Rio de Janeiro, vejo que estamos doentes como cidade e sociedade. Não tem como negar que estamos num processo acelerado de decomposição ambiental e social, sem perspectiva de aparente melhora.
Bom, pelo menos é isso que eu vejo todos os dias de dentro de meu trabalho, como nas ruas onde trafego ou caminho.
A cidade onde fui criado não existe mais, e isso é normal que aconteça, pois tudo está sempre em mutação. Nada é para sempre, a não ser o amor. Contudo, no Rio, nos nivelamos por baixo nos problemas ambientais, reflexo da pouca importância que damos ao que nos sustenta.
Apesar de toda a cobertura da imprensa — essencial nessa verdadeira guerra contra e a favor do ambiente —, constato que, salvo aqueles reduzidos guetos de resistência ambiental, no atacado, a turma está pouco se lixando para o que acontece ou deixa de acontecer com o patrimônio ambiental, repito, do qual dependemos. Basta ver o que sobra após um fim de semana de sol, em qualquer praia no Rio.
Passamos pela recente fase da “santa geosmina”, que, de forma milagrosa, despertou nove milhões de consumidores para a tragédia que vinha sendo denunciada por mim, através da imprensa, desde 1999, sem efeito prático algum. Por um lado, felizmente, o cheiro e o gosto permitiram que a consciência despertasse; por outro, infelizmente, a tal consciência nacional é sonâmbula e, em seguida, voltará a dormir não sei mais por quanto tempo.
Nesta semana, em pleno dia de sol de carnaval, mais uma vez, toneladas de gigogas invadiram a praia da Barra, junto ao quebra-mar, onde, associadas com as macrófitas aquáticas, lixo domiciliar, hospitalar e tudo mais que possa ser jogado nos rios e nas lagoas, aportaram irmanadas na praia.
Até aí, nenhuma novidade num lugar que se especializou em destruir seu patrimônio ambiental. O pior mesmo era ver os banhistas sentados sem muito se incomodar com as toneladas de gigogas em decomposição junto aos resíduos, como se fosse a coisa mais normal do mundo! Aliás, talvez não no mundo, mas no Rio, é muito comum esse tipo de resiliência patológica, moléstia social grave e que, associada à sociopatia da maioria esmagadora da classe política, pode gerar o verdadeiro inferno na Terra, como constatamos em nossa cidade.
Aí chegamos ao ponto-chave: rios, lagoas e baías podres, praias contaminadas, crescimento urbano desordenado galopante, falta de saneamento etc., etc., etc. Precisa de mais o que para chegarmos à conclusão de que estamos doentes, e buscarmos a cura?
Doentes da cabeça por aceitar a decomposição sistêmica ambiental de nossa cidade e, mais do que isso, aceitar que a água que chega às torneiras de nove milhões de pagadores de contas de água e esgoto seja proveniente do tratamento de esgoto!
O que mais falta acontecer?
Não tenho dúvidas de que estamos profundamente doentes, gravemente doentes. Resta saber até quando continuaremos no estado de negação do tipo “o Rio continua lindoooooo!” e principalmente quando iremos acordar para a realidade que criamos e que ameaça nos destruir?
Fato é que, para muitos casos, quando o paciente se conscientiza de que precisa fazer algo sobre a situação, já é tarde e, ao contrário de ser o primeiro, acaba sendo o último passo.