Eu sempre quis e não quis ser mãe. Entre medos, desejos, fantasias e incertezas, o tempo foi passando. Não faltaram oportunidades, mas me sentia em dúvida se seria uma vontade individual ou uma pressão social. E o tempo ia passando. Enquanto eu ponderava, ele gotejava. Crédula, dizia para mim mesma: “Ainda temos tempo”. Contrariando todas as minhas expectativas, um dia, de repente, sem aviso prévio, fiz 40 anos. É … talvez seja a hora de tomar uma decisão, pensei. O estoque de tempo, ao
que parece, tem limite. Muito pragmática, marquei consulta com uma médica especializada em reprodução humana. Com uma grande parcela de amigas recorrendo ao congelamento de óvulos, aquela parecia a grande garantia.
Congelar o tempo, a culpa, a hesitação e as ansiedades. Um ótimo negócio. No consultório, fui informada de que congelar óvulos era um procedimento muito fácil, rápido e que, por um valor relativamente plausível para membros da achatada classe média como eu, seria possível adiar a maternidade. Mas e depois? O que acontece depois? A médica, então, me explicou que seria necessário fecundar os óvulos congelados, o que poderia ser feito com matéria espermática tanto de um indivíduo conhecido quanto de um desconhecido. Uma vez obtidos ‘in vitro’, os embriões seriam implantados no meu corpo. Ai, que ótimo! E quais são as chances de sucesso dessa semeadura? Nessa hora, descobri que as chances de sucesso giravam em torno de 10% e que, por serem baixas, provavelmente seria necessária mais de uma tentativa, talvez algumas.
Aproveitei para me informar sobre valores e aprendi que cada ciclo de fertilização custaria cerca de cinco vezes mais que o valor do congelamento em si. Saí de lá com a certeza de que o desgaste físico, emocional e financeiro que o processo demanda não era uma experiência pela qual eu estava disposta a passar. Não me atraiu a ideia de ingerir altas doses de hormônios, de ter que ser espetada, anestesiada, examinada, monitorada, nada disso. Nunca quis ser mãe solo e, na época, encontrava-me 100% solteira. Mesmo assim, vaticinei: se for para ser, que seja pelas vias espontâneas e um projeto em dupla, ou seja, algo que eu e o meu companheiro, que ainda não existia, decidiremos realizar juntos.
Cinco anos depois, estou grávida. Aconteceu tudo naturalmente — foi pelo método tradicional mesmo. Não lançamos mão, eu e o Lucas, meu marido, que chegou dois anos depois daquela consulta, de nenhuma tecnologia extra, nenhuma injeção, nenhuma indução, inseminação, nem ovodoação; nem sequer usamos a tabelinha para controlar os dias férteis. Digamos que deixamos a porta aberta.
Construímos uma relação de muito amparo, troca e afetuosidade, mas minhas dúvidas sobre ser ou não ser mãe ainda não haviam sido totalmente dirimidas. Flertávamos com a ideia de ter um filho, mas a coragem não havia se instalado plenamente. As chances de engravidar pareciam pequenas, então apostamos na famosa carta “se tiver que ser, será”. E está sendo. Ao me ver grávida, porém, encontrei pouca informação sobre gestantes parecidas comigo, da mesma idade que eu.
Nas minhas buscas, a palavra que mais aparecia relacionada à gravidez depois dos 40 era “risco”: ou relacionados à gestação, ou à má formação do bebê. Escolhi não consumir conteúdos que focassem nos perigos. Eu queria muito ler relatos de outras mulheres que tivessem passado pelo que eu estava passando, mulheres em quem eu pudesse me fiar e me inspirar. Mas esses pareciam raros. Embora haja um número cada vez maior de mulheres engravidando depois dos 40, onde estão essas mulheres? Onde estão essas narrativas? Onde estariam os meus espelhos?
E é por isso que eu estou aqui, contando a minha história. No momento em que escrevo esta crônica, encontramo-nos aos 5 meses e meio de gestação. Está tudo correndo com leveza. Os enjoos foram suaves, não tive dores, não tive sangramentos nem desconforto, a vida está normal, o útero, o feto, a placenta, tudo no lugar, a pressão arterial está ótima, os níveis de açúcar no sangue, perfeitos. E por falar em palavras, hoje realizamos uma ultrassonografia morfológica. Nesse exame, é possível fazer uma avaliação pormenorizada da anatomia fetal e dos marcadores para doenças genéticas, e a palavra que mais apareceu na boca da médica, relacionada à análise de cada marcador, foi “perfeito”.
Ao saber que estava grávida, passei por um período de encontro com minhas sombras, temores profundos vieram à tona. E eu os acolhi. Aceitar a maternidade é um pacto com o desconhecido, é abrir mão do controle e deixar-se ir. Enfim, chegou a minha hora de embarcar. Agora, eu e o Lucas estamos muito felizes! Nos sentimos ainda mais conectados e acompanhamos com prazer cada etapa da gestação e do desenvolvimento do bebê. A cada roupinha que ganhamos, a cada felicitação, a cada centímetro a mais de barriga, a alegria se amplia, e a expectativa pela chegada do nosso filhote se agiganta. A vida nos atravessa.
Por fim, acho importante dizer que respeito muito todas as mulheres e todos os seus processos. Respeito as mulheres que não querem ter filhos, respeito aquelas que estão na dúvida, respeito as mulheres que tiveram filhos sem querer, as mulheres que nasceram para ser mães, respeito as mulheres que se arrependeram de sê-lo, respeito as mulheres que tiveram filho cedo, as que os tiveram tarde, as tentantes, as que tentaram e não conseguiram, as que quiseram, mas não tiveram, as que desistiram, respeito as que insistem, as que recorrem à reprodução assistida, respeito as mães adotivas, bem como todas aquelas que eu não soube aqui mencionar. Sou grata a todas vocês e às suas histórias. Ofereço-vos o meu relato. E ainda é só o começo.
Alessandra Colassanti é atriz, roteirista e diretora. Atualmente às voltas com dois novos solos, !Vania a Vaca”, onde cruza feminismo e veganismo, e “Eu a Internet”, onde encarna a rede mundial de computadores. Aos 45 anos, espera o primeiro filho com o marido, o professor de educação física Lucas Dummer. (Foto: Bruno Ryfer)