No século XIX, muito se ouviu falar em “antes e depois dos 30” (balzaquianas); em seguida, “a crise dos 40” (homens e mulheres “o que fiz da minha vida?”). No século passado, o questionamento da própria vida chegou aos 60 anos.
Confesso que só pensei em minha idade quando completei 85 anos, em 2018 (até então, eu tinha 30, no máximo, 40 anos). Sofri uma fratura no púbis, o que me trouxe alguns problemas de locomoção — fratura de estresse, ou seja, por excesso de exercícios! Desde os 9 anos de idade, fiz balé no Theatro Municipal do Rio, com Yuko Lindemberg. Aos 17 anos, fui para a França depois de ganhar um concurso de piano para uma bolsa de estudos no Conservatório de Paris.
Na cidade universitária, fazia minhas caminhadas diárias. Enfim, em toda a minha vida, nunca deixei de me exercitar. Sou uma pessoa de grande energia; sem os exercícios físicos, me torno insuportável! Esse hiato, que está completando um ano, foi inicialmente doloroso; ao mesmo tempo, trouxe muitas reflexões. É bem verdade que o cinema (como cineasta profissional, percorri todas as áreas do cinema — roteiro, continuidade, montagem, direção, arte etc.) e a música sempre foram as paixões da minha vida. Sim, minhas duas grandes paixões: o cinema e a música. Meu lema: levar a vida com paixão. Minhas palavras-chave: aceitação, gratidão e serenidade, se possível, com intensidade, sempre.
Aos 85 anos, procurei encontrar o novo movimento, o novo andamento da minha vida: não mais ALEGRO, VIVACE, PRESTO, e quem sabe, LARGO, às vezes MODERATO e até um ANDANTE animado. Porém, quanto a pensar na morte, isso surgiu mais em mim desde que perdi meu irmão em abril — foi também o contato mais próximo que já tive com a morte, mas cada vez com mais tranquilidade.
Todos os dias de manhã, faço as minhas orações e a minha meditação (uma conquista recente). Quando abro a janela, olho a Baía de Guanabara, em seguida, o Pão de Açúcar e, do lado direito, o Corcovado, sem deixar de ver a beleza do verde do Parque Guinle. E a primeira coisa que faço é agradecer por estar viva.
Lucy Barreto é produtora de cinema, mas poderia muito bem ser chamada de pensadora do cinema brasileiro, pela paixão e pelo currículo. Já produziu ou coproduziu mais de 80 filmes, dois deles foram nomeados para o Oscar: O Quatrilho (de Fabio Barreto) e O que é isso Companheiro (de Bruno Barreto). É casada com o mesmo marido, Luiz Carlos Barreto, a vida toda. Este mês, passaram a ser membros da Academia de Artes e Ciências, que elege os vencedores do Oscar.