Você já deve ter recebido de grupos do WhatsApp ou visto em algum post que estão rolando pelas redes cartazes com ilustrações dos seis principais candidatos à Presidência, como se fossem personagens fictícios – talvez até pudessem ser reais. Ciro Gomes se transformou no “ursinho carinhoso”; Cabo Daciolo está como o “Exterminador do Futuro”; Marina Silva, uma seguidora das bandas de hard rock Black Sabbath e Judas Priest; Jair Bolsonaro vem como uma drag queen do programa RuPaul’s Drag Race; Lula – agora inelegível – está todo azul como o Papai Smurf do desenho animado; Geraldo Alckmin, por sua vez, é o super-herói Acquaman.
Tudo obra do designer curitibano Billy Mariano da Luz, ou Butcher Billy (butcher, em inglês, significa açougueiro), como assina seus trabalhos, “tem a ver com ideia de fatiar pedaços de vários segmentos da cultura pop e misturar todos esses cortes”, diz. As histórias do cinema, música, quadrinhos e videogame sempre fizeram parte da vida de Billy – seus heróis não morreram de overdose, mas conversavam com o pós-punk, o new wave, a pop art e assim vai. Formado em design desde 2001, ele trabalhou em empregos formais até resolver experimentar o seu lado, digamos, oculto, como Butcher, em 2012. Deu tão certo que, há dois anos, depois de assistir à terceira temporada da série “Black Mirror”, da Netflix, desenhou 14 pôsteres de alguns dos seus episódios favoritos e jogou nas redes sociais – viralizou. As imagens chegaram até Charlie Brooker, criador do seriado, que amou tudo e o contratou para trabalhar na série. Os desenhos do artista aparecem em “USS Calister” e “Black Museum”, da quarta temporada.
Como surgiu a ideia de criar essas caricaturas dos presidenciáveis?
Surgiu da mesma forma pela qual eu venho criando, há vários anos, metamorfoses de quaisquer outras personalidades da música, cinema, quadrinhos, games, arte, etc. É o mesmo processo de relacionar características e promover fusões entre mídias diferentes – o antigo e o novo, a realidade e a ficção – com a intenção de passar uma mensagem através dos conceitos visuais. A diferença é que, nesse caso, foram políticos brasileiros, o que já fiz anteriormente nas eleições de 201. Também faço muita coisa com Donald Trump, Vladimir Putin, Kim Jong-Un etc.
Como chegou à conclusão da identidade de cada um?
O processo de criação foi parecido com o que uso para qualquer outro trabalho que desenvolvo como Butcher Billy: faço uma pesquisa conceitual sobre o sujeito em questão até que se cruze visualmente com as minhas influências, de tudo que eu tenho absorvido em relação à cultura popular. Há um objetivo geral, que é o da sátira e do olhar irônico sobre a famigerada política brasileira, e cada escolha artística foi baseada em peculiaridades de cada retratado. Ciro Gomes, por exemplo, não poderia ter outra referência que não a dos Ursinhos Carinhosos. Isso, claro, por conta da acusação de ser fundador da URSAL – e de todos os memes que surgiram a partir disso. O Cabo Daciolo vem com o combo mortal de religião e militarismo; por causa desse extremismo, quis usar algum personagem Brucutu do cinema dos anos 80, do tipo que atira primeiro e pergunta depois. Escolhi o Exterminador (do Futuro), mas poderia ser o Cobra, ou o Rambo: qualquer um se encaixaria bem, contanto que tivesse uma arma em formato de cruz. Marina Silva é muito religiosa e acusada pelos adversários de, em alguns momentos, esconder isso, mas, em outros, reforçar essa ideia. Achei que seria interessante relacioná-la com bandas de hard rock de temática ocultista, como Black Sabbath e Judas Priest. Jair Bolsonaro – misturei o candidato com RuPaul’s Drag Race (reality show sobre drag queens) como uma referência à posição dele em relação aos assuntos de ideologia de gênero, homossexualidade etc. Lula é muito parecido com o Papai Smurf – e já que ele é o “líder supremo e incontestável” de toda a tribo, achei que combinava bem. Geraldo Alckmin foi uma referência da crise da água de São Paulo (2015), em que ele esteve diretamente envolvido. Além disso, depois é que percebi que o sobrenome dele era até parecido com Aquaman.
Como está sendo a repercussão?
Já tive vários projetos que tiveram um alcance bem além do esperado – apesar de, no Brasil, terem sido ainda muito poucos. Por esse ser focado em política, imaginei que teria um alto grau de viralização. Curiosamente, percebi que até os fãs mais ferrenhos de certos candidatos estão gostando das sátiras, e até as usando como forma de disseminação. Talvez esse seja um reflexo da surrealidade da política mundial nestes tempos atuais.
Se contratassem você, como seria uma campanha nas eleições, por exemplo?
Fora do País, eu exponho em várias galerias, vendo produtos com o meu trabalho e sou contratado até mesmo para aplicar o meu estilo no marketing de varejo de redes de supermercado, mas, aqui no Brasil, eu ainda passo quase despercebido. Acho que nunca seria contratado para algo assim, mas, se fosse o caso, uma campanha que eu curti muito foi a do Obama em 2008. Acredito que foi a primeira vez em que o branding e o design de uma campanha eleitoral me chamaram a atenção, e realmente foram decisivos em uma disputa presidencial.
Seu trabalho, basicamente, ficou conhecido pelas redes sociais. Pra você, como é ver todo seu esforço sendo replicado sem crédito?
A Internet é realmente uma terra sem lei. Tomo todas as precauções possíveis ao jogar alguma criação minha na rede, mas tenho consciência de que ela se torna disponível para o mundo todo. Por outro lado, ao contrário de muita gente, eu vejo isso como algo positivo – o fato de eu chamar a atenção de gente como Brooker só é possível apostando nesse desprendimento.