O produtor José Camarano é outro homem: ele era daquelas pessoas ligadas no 220 volts, aceitava todos os trabalhos que apareciam, comandava as melhores festas moderninhas no Rio, além de ter criado o Gema TV, em 2007, primeiro canal na Internet voltado pra moda, que cobria vários eventos nacionais e também viagens constantes a Paris, Nova York e Tóquio. Sabe, por exemplo, o famoso ensaio de Madonna e Jesus Luz fotografado por Steven Klein pra revista W em 2009? É dele a produção. Vida social ativa: muita noitada, muita bebida, muito cigarro e “otras cositas más”.
Tudo começou a mudar em 2013, quando Zé partiu pra Nova York, na tentativa de ampliar o mercado de trabalho. A cidade lhe deu um choque de realidade. “No início, adorei, mas são sete meses de frio, e comecei a ficar muito estressado. Sou da roça, gosto de cachoeira, do mato, e a única coisa que pensava era sair de lá”, diz. Veio o estalo: dando um Google, ele descobriu o Woofing, ou WWOOF (World-Wide Opportunities on Organic Farms), uma ‘ecovila’ de economia colaborativa no… Havaí. Morou por quatro meses numa comunidade, convivendo com 15 pessoas nada ligadas à moda ou ao fervor das cidades grandes. Aprendeu a plantar, colher e a fazer outros trabalhos voluntários. Nadava com golfinhos todos os dias.
O resultado? Agora, Camarano está de volta à moda e, pela primeira vez na carreira de mais de 20 anos, cria uma coleção de roupas, em colaboração com a marca Ahlma, de André Carvalhal, a ser lançada neste domingo (10/12), no Leblon. Com peças unissex criadas em quatro mãos, a linha é inspirada em sua vivência no Havaí. Hoje, o homem de 37 anos, que veio para o Rio do interior de Minas Gerais (Ubá), aos 18 anos, é outra pessoa: “Voltei para o mesmo lugar, só que diferente”. (Foto: Renato Wrobel)
Em que momento aconteceu esse ‘clique’?
Foi gradativo. Há sete anos parei de fazer as festas, fui para análise e tinha certeza que na hora em que parasse tudo daria merda no meu HD interno. Ter a base em Nova York era bem estressante. Quando chegava sexta-feira eu pegava o trem e ia para a montanha, ia ver o mar, mas era tudo sempre lotado. No Rio a gente tem conexão diária com a natureza e lá fiquei totalmente desconectado disso. Queria me limpar, mudar minha alimentação. Como eu já havia mudado todos os meus hábitos alimentares e me livrado de todos os químicos da vida, eu queria me preencher com coisas boas e aprender coisas novas, que eu ainda não sabia. Tive um estresse com a rapidez o mundo moderno. Me deu a louca e só pensava em aprender a surfar. Tive um estresse com o mundo moderno.
Por que o Havaí?
Comecei a me sentir um peixe fora d’água em Nova York, porque todo mundo trabalha muito sem reclamar. Acho que o mundo está dopado de Ritalina e isso não é natural. Meu corpo não aguentava mais o ritmo. No fim de 2016 vim para o Rio, no auge da crise, da queda da ciclovia (em São Conrado), fui assaltado e levaram meu iPhone, uma tragédia. Vi que ainda não era hora. Dei um google e descobri a WWOOF. Deixei minhas coisas num daqueles boxes de armazenamento e parti pra lá. Aprendi a plantar, colher, trabalhar com jardinagem. O Havaí tem essa parte espiritual, os golfinhos têm poder de cura… Eu morava numa vila que tinha uma plantação pequena, só para consumo próprio. A natureza virou meu templo, uma filosofia de vida. Ali eu tive tempo de ficar em silêncio, meditar, fazer ioga. Estava aberto a tudo, sem saber do futuro. Não estava aguentando mais a barulheira. Tive que me perder para me encontrar.
Como surgiu a ideia do documentário?
Filmei e entrevistei os 15 moradores da fazenda, sem pretensão, porque sempre gostei de audiovisual. Depois de 20 dias de convívio, vi que tinha muito conteúdo. A dona é uma senhora de 74 anos que faz florais. Ela é o personagem principal. Hoje o Havaí está ligado à espiritualidade, sustentabilidade e está sendo considerado a vanguarda do mundo. Tomei muito cuidado para não deixar a minha viagem virar o documentário… O André Carvalhal, por coincidência, me mandou uma mensagem perguntando o que eu estava fazendo no Havaí. Comentei sobre o filme e ele comprou a ideia na hora. Voltei para fechar o projeto com ele.
Sua forma de ver o mundo mudou?
Completamente. Hoje o meu apartamento está pelado e só tenho o que preciso. Quando estava na vila, o box em que eu guardava as coisas em NY pegou fogo com meus HDs de trabalhos da vida inteira. Meu passado foi literalmente apagado. Não tenho mais nada, apego nenhum. Continuo gostando de moda, mas acredito na moda funcional, não gosto de nada descartável.
Os amigos o criticaram?
Essa reconexão com a natureza me acalmou e a necessidade de agradar o mundo não existe mais. Tive que me afastar de algumas pessoas, mas os amigos de verdade estão sempre comigo. As pessoas são muito ligadas à matéria, nada é seu e você será enterrado sem nada. E ao mesmo tempo não dá pra julgar ninguém porque as pessoas estão em constante processo evolutivo.
Acredita que o Rio tem jeito?
A cidade está abandonada, problemática, sem trabalho, mas posso te falar? Pela minha experiência de viagens pelo mundo, o Rio é o melhor lugar. Pelas pessoas animadas e felizes, essa mistura da metrópole com a natureza, o mar. O problema é a fofoca, mas o Rio é foda e tem um potencial enorme. Moro aqui há 20 anos e lá atrás era perigoso do mesmo jeito. Mas a internet deixou todo mundo ‘panicado’, supervalorizando o ruim. Meu plano é voltar com o olhar para o pequeno, chega de megalomania, de luxo. Está na hora de dividir o que temos, colaborar, ajudar o outro. Minha paixão pela cidade só aumentou e acredito que esse seja o melhor momento para se fazer coisas novas e a tentar melhorar. Quero investir no estilo de vida carioca, fazer ações.