Eduardo Dussek é uma “brisa” leve neste momento politicamente correto em que vivemos no País. Sem pudores nem papas na língua, o multiartista faz rir com a leveza de uma criança de 5 anos. E pode ser, já que ele não revela a idade nem sob tortura (é só dar um “google”!): “Coloca aí qualquer coisa entre os 50 anos e a morte. Perdi a noção mesmo, porque os anos passam muito rápido. Não olho a carteira de identidade”. O bom humor está ali até na hora de falar sobre o mal de Parkinson, doença diagnosticada há 12 anos: “Quando as mãos tremem, é só colocar um pandeiro.”
Não foi surpresa pra ninguém quando ele resolveu pôr um capítulo novo em sua vida – como sempre faz – e se lançar como artista plástico sob o codinome Edu Gabor Dussek. Dos 20 quadros a óleo que conseguiu reunir desde 2015 em seu atelier (um cômodo de seu apartamento, em Copacabana), ele escolheu três para a coletiva “Ode às Cores”, na MBlois Galeria de Arte, em Ipanema, em homenagem ao pai, o artista plástico, escultor e gravurista Milan Dusek, que morreu ano passado, aos 92 anos. A mostra vai até dia 8 de dezembro. Só pra constar: Dussek tem formação pela Escola Técnica de Arquitetura, mas estudou desenho e pintura com o pai, desde os 10 anos. Sua mãe, Agnes Dusek, era pintora, além de tradutora e intérprete.
Foto: TV Globo
Como voltou a pintar?
Sempre foi uma espécie de hobby, uma terapia; pinto desde adolescente, mas a música ocupa muito tempo. Recomecei quando meu pai ficou doente. O processo é igual a uma cachaça, viciante. Eu tinha um estilo crítico, meio debochado, mas, desta vez, baixou algo em mim, uma coisa de outras vidas… Devo ter ficado na mesma enfermaria que Van Gogh, aquele que cortou a orelha, no século XIX. Quando estou de frente para uma tela, vem uma ligação com o universo, um sopro divino, uma viagem interior. É a janela da alma.
Tem noção de quantos você já vendeu?
Alguns eu vendo, outros dou de presente. Há uns dois anos, a Tatá Werneck encomendou um. Fiz o “Flores Loucas”, e falei para ela colocar na sala ou no canil. Ela disse que ia colocar um pouco em cada.
Na década de 80, você cantou de cueca na TV aberta. Acredita que o País encaretou?
Eu acho que o mundo está fora da ordem, como diz Caetano. Ele saiu do trilho legal, mas parte disso é bom porque ele estava no trilho errado. Agora é a hora de separar o joio do trigo. Estamos numa fase de depuração, apuração, decantando as coisas, o que é lama está indo para o fundo; o problema é que a lama está no poder e vai ficar por algum tempo. Se o Sílvio Santos fosse presidente, ele é um conhecedor do Brasil, um cara que o povo tem uma ligação, ao contrário daquele Donald Trump, que é um louco. Não existe liberdade neste país, e a massa é manipulada – quem se levanta contra, paga caro. Mas o problema é que a cultura deu uma caída tão violenta que as pessoas não têm muita opinião, ou não entendem o que você diz. As pessoas têm que dar a cara a tapa, como Caetano e Gil, que ninguém vai contestar. Entendo que as pessoas não queriam se manifestar demais, mas temos que levar conscientização através de participações na TV, entrevistas etc. Comer pelas beiradas.
Gosta de funk? Você destaca algum nome do novo cenário musical?
Curto todos eles, mas não dá para ouvir funk o tempo todo porque é sempre a mesma coisa. Gosto da Anitta e Ludmilla (que tem de comer mais um pouco de feijão para chegar lá). Atualmente existe um padrão estético musical pouco satisfatório… Mas tem gente boa sim. Não tenho preconceito, o negócio é ouvir. Quando Anitta cantou Rita Lee, eu soube que ela tinha voz; Preta Gil, que conheci garotinha, tem muita voz. Vamos combinar que não vai mudar um pé de vento na janela a minha opinião.
Como encara a idade? Pensa em fazer plástica?
A idade está na cabeça, que comanda o corpo. A Bruna (Lombardi) e o (Carlos Alberto) Riccelli fazem isso e estão lindos do jeito que estão. Dei uma baqueada com o Parkinson, mas fazer o quê? Poderia ser uma coisa fulminante. O José Wilker foi dormir, e foi para o planeta. Hoje em dia, as pessoas fazem tanta plástica que eu não as reconheço. Outro dia, uma apresentadora de TV, de mais de 50 anos, me cumprimentou, e eu não sabia quem era… Pensei que fosse a filha de 17 anos. Eu cuido mais das internas; não tenho tempo para fazer plástica.
Como convive com o Parkinson? A doença já atrapalhou sua vida?
Trato com as medidas cabíveis da medicina, alimentação regrada, exercícios físicos e pouco aborrecimento. O Parkinson é ligado diretamente ao estresse. O que me ajuda são a pintura, leitura, meditação, tai chi chuan, acupuntura… Isso é uma doença de rico, caríssima. Quando as mãos tremem, é só colocar um pandeiro… Ainda não me atrapalhou porque eu controlo. Em dia de show, eu descanso. Transformei uma doença crônica em aguda – ela vem em pequenos ataques e, durante uma hora, fico com 99 anos, mas depois volto para o meu normal, que é qualquer coisa entre os 50 anos e a morte…
Ter bom humor ajuda?
Sou chamado para dar palestras em congressos sobre o Parkinson e prego essa visão bem-humorada. Você perde o direito de se aborrecer – me dou 10 minutos de estresse no máximo. Sempre encarei com bom humor. A doença é um fator de eliminação, tem as violentas, mas não é o caso no estágio em que estou. Sempre me alimentei bem e malhei. Era estressado e tive que aprender a desestressar – cuido da horta no meu sítio (Friburgo, Região Serrana do Rio), toco piano, pinto, desenho, estudo línguas, exercito o cérebro. Sobretudo, cultivar a alegria – parece uma ideia Poliana, mas ela ajuda demais em qualquer doença. Outro dia, cheguei numa praia chiquérrima todo esportivo, peguei onda, e estava ótimo. De repente, me deu um ataque de Parkinson; eu saí da praia torto, mas saí.
E redes sociais?
Eu cansei; a gravadora faz para mim. É muita respostinha vulgar, e você fica muito exposto. É muito cacique para pouco índio, e todo mundo ali tem a certeza absoluta das coisas. A única coisa que sei é que nada sei… Mas é boa pela monopolização de uma ideia. Você consegue falar diretamente com seu público, mas é perigoso e burro porque as pessoas se projetaram como se fossem grandes pessoas. Hoje em dia, nem os artistas têm importância – faz algo hoje e amanhã não é nada. A tendência é o homem ser dominado pela máquina. Rola muita besteira e, para filtrar, é difícil. Hoje em dia, você não faz um trabalho; só pesquisa porque é só copiar e colar, e daí sobra tempo para pensar em sexo. A vida não é um movimento masturbatório. O cimento não cola se não tiver cultura.
Está casado? Tem medo da solidão?
Não tenho mais idade para casar não, tenho rolo; cada um na sua casa. Não tenho medo algum de ficar sozinho. Tenho uma empregada maravilhosa, amigos e gente que trabalha comigo. Nunca fico sozinho – o escritório está sempre bombando.
Algum projeto?
Estou escrevendo um livro, um baú de recordações com milhões de documentos, mas, aos pouquinhos, porque tem muito material. Vai ser um comentário biográfico chamado “O Trôpego de Capricórnio”, não trópico, e sou do signo – nasci capricorniano, mas fiz várias cirurgias, e hoje ninguém nota.