A nossa cultura tem uma base biológica anterior à filosofia: o animal/homem vivia em terras frias e hostis no Norte, que exigiam muito esforço em prol da sobrevivência. Seus deuses eram exigentes e rígidos, com leis baseadas em princípios de escassez, numa projeção do que o próprio homem era obrigado a viver, desenvolvendo a força para domar a natureza.
Ou vivia nas terras quentes e ensolaradas do Sul, as ilhas do Pacífico, que eram consideradas paraísos de liberdade e de prazer, onde reinavam os deuses da alegria e da abundância, mas que foram contaminadas com a chegada dos missionários do Norte. Instalou-se, então, pela força, a cultura do pecado, da culpa e do julgamento. Nessa cultura, com base na crença da escassez, só a criança tem liberdade para usufruir do prazer e, assim mesmo, apenas até a chegada da sexualidade… Daí em diante o prazer também é proibido.
Por incrível que pareça, o medo do prazer tem a ver com a “vaidade” cultural, uma verdadeira ode à tragédia, ao sacrifício e à melancolia. Nossos valores são os do deus castigador que ainda cultuamos e que se alimenta do sacrifício do sofrimento e da dor… Condicionamo-nos ao antiprazer; apenas nos é permitido o prazer da renúncia, apoiado pela vaidade de sermos fortes e capazes de sacrifícios tão grandes. É a unica maneira de mostrarmos como somos bons e, consequentemente, sermos aceitos.
Até os dias de hoje, ainda não conseguimos a reversão do sofrimento para o prazer, visto sempre como pecado. O correto para esse sistema cultural é matar-se de trabalhar por 11 meses e ter direito a apenas 1 mês de férias, normalmente mal aproveitado pela sabotagem que a culpa de “se dar prazer” acarreta. É aposentar-se depois de anos de trabalho frutífero e, em lugar do respeito à experiência, ser marginalizado com desprezo pela idade; é a pressão social em que vivemos – em meio a tanta doença e miséria provocadas pelo acúmulo dos “pecadores”, e não pela ignorância incentivada pelo poder, que gera a “culpa do prazer”, formando-se uma ideia coletiva de que alegria e abundância são pecados inadmissíveis neste mundo. Aquele que ousa ter dinheiro, felicidade ou sucesso torna-se imediatamente alvo de críticas, difamações e invalidações de toda ordem. É a necessidade de derrubar e sacrificar os que contrariam o sistema, para, mais uma vez, provar que é impossível ser feliz!
A fábula da cigarra e da formiga retrata perfeitamente “a culpa de ser feliz”. A cigarra alegre é castigada porque canta no verão, enquanto a sisuda formiga, que trabalha sem prazer, é a contemplada… Condenamos o outro na ilusão de conseguirmos a liberdade, sem perceber que nos oprimimos ao invés de libertarmo-nos. É preciso um tempo; tempo para ver e questionar todas as “crenças, superstições e projeções”, inoculadas em nossos neurônios por gerações e gerações de visão distorcida, fruto da ignorância em que vivíamos.