A figurinista Marília Carneiro começa o ano como sempre: muito solicitada. É dela o figurino do musical “SamBRA”, encenado na praia de Copacabana, no réveillon, o guarda-roupa dos apresentadores do “É de Casa”, da Globo, e ainda as roupas de época da minissérie “Ligações Perigosas”, que estreou com tudo nessa segunda-feira (04/01).
No entanto, Marília não começou profissionalmente como figurinista – estudou filosofia e Comunicação Social na PUC e chegou a trabalhar como estagiária de jornalismo na Tribuna da Imprensa. Casada com o fotógrafo e diretor de arte Mário Carneiro (1930-2007), assinou os figurinos de “O Homem que comprou o Mundo”, de Eduardo Coutinho, e chegou a fazer cinco pontas e um papel de destaque no cinema nacional, no filme “Capitu” (1968), antes de se decidir, de uma vez por todas, a trabalhar atrás das câmeras. A carioca também foi dona de boutique, mas, finalmente, levada pela amiga Dina Sfat, estreou na Globo em 1973, na novela “Os Ossos do Barão”, já revolucionando: pela primeira vez na emissora, os figurinos dos atores não foram todos produzidos pelo setor de costura, mas garimpados em lojas pela figurinista.
Daí por diante, cada trabalho na TV foi mais marcante que o outro: na primeira versão de “O Rebu” (1974), os personagens usaram o mesmo figurino durante toda a novela. Ela também fez o humorístico “TV Pirata”; “Gabriela” (1975), quando deu a ideia de passar óleo em Sônia Braga, para que a atriz tivesse uma aspecto sujo e suado; as minisséries “Anos Rebeldes” (1992) e “A Casa das Sete Mulheres” (2003), passando pela novela “Dancin Days” (1978), quando lançou a moda das meias coloridas de lurex com sandálias de salto fino; e “Brilhante” (1981), que marcou com o lencinho no pescoço de Vera Fischer. Vamos parar por aqui, é muita coisa!
Ela também não parou no cinema. Assinou os figurinos de várias produções, mais recentemente, o documentário “Chico: Artista Brasileiro”. Acima de tudo, Marília é uma mulher aberta, culta e consciente do seu trabalho de bastidores: “Eu acho que um figurino não pode aparecer mais do que o personagem. Você não pode olhar o figurino e não ouvir o que a pessoa está falando. O figurino é para assessorar, não para brilhar mais do que o texto”. Está explicado tanto sucesso.
Você já disse que seu processo de criação tem três etapas: a primeira, quando você recebe a sinopse e imagina o personagem; a segunda, quando tira as dúvidas com o diretor e, finalmente, a última, quando conversa com o elenco. Considera essa etapa a mais fácil? E qual sua reação quando as atrizes tentam impor suas ideias?
“Não existe uma tarefa exatamente mais fácil; todas elas são complicadas quando você se propõe a mergulhar fundo e acabam sendo igualmente complicadas. Por exemplo: quando comecei a trabalhar no personagem do Selton Mello (em “Ligações Perigosas”), eu o via como uma pessoa noturna, quase que, digamos, um vampiro glamurizado. Já o diretor tinha outra visão, um homem até mesmo solar. Isso foi um susto que tomei porque tive de me adaptar à visão dele, pois evidentemente existe uma hierarquia. Precisei rapidamente mudar a sintonia para criar um figurino que correspondesse a essa nova visão. Já o meu contato com os atores, especialmente de “Ligações Perigosas”, foi excepcional. Fui recebida por todos eles de braços abertos. Patrícia Pillar, por exemplo, topou usar megahair, que é uma das coisas mais chatas do mundo porque incomoda. Mas era importante criar um ar selvagem que contrastasse com a frieza da personagem. Quando uma ou outra atriz tenta impor uma ideia, meu segredo é abrir uma negociação. Uma negociação que eu não perca, claro, mas que também não constranja a atriz. Se eu não fosse de uma família de diplomatas, não conseguiria fazer figurino. É preciso ser boa na arte da negociação.”
Os homens, atualmente, estão mais vaidosos em cena? Entendem mais de moda?
“Os grandes atores raramente são vaidosos, no mau sentido. Os homens são mais fáceis do que as mulheres; elas são um pouco mais inseguras. Alguns atores são muito antenados, como é o caso do André Marques, do “É de Casa”. Aliás, esse é um trabalho que estou adorando fazer. Ali, os três homens são muito dóceis, adoram tudo. Só o Tiago me pediu para não usar amarelo porque acha que não fica bem.”
Você estreou na Globo já com o desafio de fazer a segunda novela em cores do País, “Ossos do Barão”. Como é fazer figurinos atualmente, em HD? A alta definição exige mais perfeição do que nunca?
“Graças a Deus, para mim, o HD só ajudou porque o figurino ganhou mais visibilidade e importância. Como sou uma pessoa originariamente de cinema, já cheguei à TV “autodefinida” por vocação. No cinema, se você não tem cuidado com o figurino, está ferrada. Fui educada, literalmente, no capricho.”
Você se concentra em desenhar, ou pega no pesado se for necessário? Tem uma equipe fixa de costureiras? A mão de obra é difícil nessa área?
“Não sei fazer nada com a mão, como costurar, e desenho pouco. Trabalho muito com meu cérebro. Felizmente tenho uma equipe fixa, enxuta, que me acompanha há anos. Dela fazem parte um alfaiate, uma contramestre, uma bordadeira. A Globo também oferece uma oficina de costura muito grande. Nela dá para fazer a roupa de todos os figurantes, por exemplo. Mas não tem moleza, é preciso trabalhar muito.”
Existe algum acessório ou tipo de roupa, atualmente, que você gostaria de ver o público usando, como foi a moda da meia lurex com a Sônia Braga em Dancin Days?
“Se for para citar um acessório democrático, eu diria que atualmente estou na fase dos espadrilles. Acho esses sapatinhos ótimos para descontrair o visual e combinam com vestidos de verão, calças leves etc.”
A personagem de Patrícia Pillar em “Ligações Perigosas” usa Chanel de época ou você fez réplicas?
“Não tem nada de época ou brechó. Todas as peças foram revisitadas e reconstruídas.”
Quanto tempo você dedica, em média, à pesquisa de um figurino de novela?
“No começo do processo, a dedicação é 24 horas por dia, sem exageros. Isso porque pesquisa você faz até mesmo quando está tomando um café em Ipanema, ou dentro de uma livraria. Você faz uma pesquisa eterna, mesmo quando tenta relaxar. Diferentemente de uma minissérie, uma novela ocupa um ano inteiro da minha vida. É uma obra longa e não dá para fazer mais nada.”
O que você acha que fica sexy na tevê, em figurinos para a mulher?
“Uma roupa, sozinha, não faz ninguém sexy. É preciso que a atriz traduza isso com o olhar, a boca, os gestos. Em “Ligações Perigosas”, as personagens são todas muito sexy, embora usem roupas até bem-comportadas. As roupas da personagem da Marjorie Estiano, por exemplo, são quase de convento. Ao mesmo tempo, ela passa muita sensualidade. O segredo, ali, foi provocar com tecidos molhados que colam no corpo quando molhados, por exemplo. Tem uma cena em que ela está com um vestido no pescoço, mas, ao entrar na água de roupa e tudo, vira um furacão. Veja bem: até mesmo uma funkeira, que usa meio palmo de tecido, pode não ser sexy. O resultado depende da pessoa.”