Katia Mecler é doutora em psiquiatria e doutora-preceptora da residência médica em psiquiatria forense da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordena, também o departamento de ética e psiquiatria legal da Associação Brasileira de Psiquiatria. Prestes a lançar o livro “Psicopatas do cotidiano”, ela fala sobre redução da maioridade penal e como identificar traços de psicopatia nas pessoas com que convivemos.
Dra. Katia, a senhora já se pronunciou favoravelmente à redução da maioridade penal – segundo afirmação sua, aos 16 anos o jovem já é capaz de entender o caráter ilícito de um ato e optar por praticá-lo ou não. A sra. mantém a defesa dessa ideia mesmo diante de um sistema prisional como o brasileiro, onde não costuma haver separação dos criminosos por periculosidade nas celas e em que a correção do indivíduo e sua reintegração social não costumam ser bem sucedidos?
“A redução da maioridade penal é uma discussão muito complexa. Em geral, percebo que o debate se trava mais no campo político e ideológico do que no técnico. Cientificamente falando, há elementos que sugerem, de maneira contundente, que o jovem de 16 a 18 anos apresenta entendimento do que é lícito ou ilícito. Ou seja, em termos técnicos, dentro da psiquiatria forense, na maioria dos casos, o jovem nessa faixa etária é responsável pelos seus atos. Cabe lembrar que o nosso Código Penal, que determina a maioridade penal a partir dos 18 anos, é de 1940, uma época com muito menos acesso à informação. Agora, outra coisa é o desdobramento dessa situação. Caso o jovem fosse considerado responsável, sou absolutamente contra ele ir para uma instituição prisional tradicional, que já não recupera o detento adulto. Basta ver que a taxa de reincidência fica em torno de 70%. Não seria diferente com esse jovem. Não é essa a questão, a redução da maioridade penal no país não é uma questão urgente no país.
Creio que há desafios mais graves a serem enfrentados primeiro. Há leis suficientes, mas falta serem aplicadas devidamente e esse, sim, é um grande problema. No caso de um jovem ser responsabilizado, ele teria que ir para uma instituição com todo o aparato. A avaliação da responsabilidade penal precisaria ser feita por uma equipe multidisciplinar e a instituição onde ele cumpriria essa pena deveria ter um caráter absolutamente psicopedagógico, terapêutico. O tratamento penal precisa ser muito individualizado para um jovem dessa idade”.
Como saber, num relacionamento amoroso, a diferença entre um parceiro altamente crítico ou se é um psicopata narcisista, que está sempre procurando desqualificar a outra pessoa para se sentir mais importante ou melhor?
“Há critérios para diagnosticar uma pessoa com o transtorno de personalidade narcisista, que estamos aqui chamando de psicopatia narcisista. Esse critério está relacionado à presença de vários traços e não apenas de um único traço patológico de personalidade. O que caracteriza o traço patológico é o fato de a pessoa ser do mesmo jeito, desde o início da vida adulta. Ela age do mesmo jeito, com os vários parceiros. Não se comporta assim somente num determinado momento da vida dela, com uma pessoa só. Ela tem esse comportamento precoce, repetitivo, causador de prejuízos. Se o parceiro ou parceira é altamente crítico e desqualifica o outro, pode não significar nada. É preciso saber se, na história desse indivíduo, o padrão de desvalorizar o outro para se sentir mais importante tem se mostrado contínuo, repetitivo e prejudicial aos relacionamentos dele.
Por que é difícil um psicopata aceitar que precisa de tratamento? Como é feito esse tratamento?
“Em geral, a pessoa com transtorno de personalidade tende a não se responsabilizar pelos próprios atos e a estar sempre culpando os outros. Ela injeta sentimentos de culpa no outro, porque acha que o problema está fora, que o mundo a atrapalha. Quando algo não vai bem em sua vida, o problema é das pessoas que a cercam. Nunca é com ela. Se não tem problema, não precisa de tratamento. Os outros é que precisam. Agora, o tratamento pode ajudar muito a quem convive com um indivíduo com traços patológicos de personalidade. É possível desenvolver ferramentas para conviver melhor. Quando a pessoa com o transtorno de personalidade procura auxílio, há técnicas específicas para fazê-la ter maior consciência sobre seus atos, sentimentos e pensamentos, no sentido de criar estratégias mais saudáveis para lidar com determinadas situações, sem tanto prejuízo.