Nana Caymmi, filha do compositor, cantor e violonista Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, pode se orgulhar do seu berço musical – na sua casa o talento para a música era tanto que até os irmãos Dori e Danilo foram pelo mesmo caminho. Por muito tempo Nana foi considerada a “cantora das cantoras”, sofisticada demais, mesmo tendo vencido, em 1966, no Maracanãzinho, a fase nacional do I Festival Internacional da Canção, com a música “Saveiros” (de Dori e Nelson Motta). Mas a cantora foi tocando sua carreira, inclusive com grande reconhecimento na Argentina. Em 1989, já com vários discos gravados e shows em Portugal e na Espanha, participou do Festival Internacional de Jazz de Montreux, na Suíça. Nesse meio tempo também ficou conhecida por suas tiradas divertidas, seus muitos casamentos e pelo leque que usava, sempre se abanando nos palcos.
Foi só em 1998, com o CD “Resposta ao tempo” e a canção homônima na abertura da minissérie “Hilda Furacão”, da TV Globo, que ela se popularizou, vendendo 100 mil cópias desse disco, seu único Disco de Ouro. “Essa é mais uma prova de que nasci no país errado”, brinca, “mas nunca dependi de discos, sempre fiz shows”. Em 2008, com a morte dos pais em curto espaço de tempo, Nana pensou em abandonar a carreira, mas voltou atrás. Ela foi homenageada, em 2010, com o filme “Rio Sonata”, um documentário sobre sua vida feito pelo diretor franco-suíço Georges Gachot. Em 2014, o CD “Caymmi”, gravado com Dori e Danilo, foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.
Nana aguarda a chegada de Dori dos EUA para decidirem o próximo show, ainda com repertório em homenagem ao centenário de Dorival Caymmi, comemorado ano passado. “É ótimo fazer dupla com o Dori, somos dois velhos, como se fosse Alvarenga e Ranchinho no palco, contando piadas e mexendo com os músicos. Eles adoram”, conta Nana. Modesta, ela atribui seu prestígio a um único motivo: “a fidelidade à canção popular brasileira”. Isso sem falar na sua paixão pela música latino-americana, em especial os boleros. Leia a entrevista de uma pessoa autêntica – classe em extinção.
UMA LOUCURA: “A música brasileira atualmente – e o motivo eu não foi dizer. Só digo que não estou pesquisando, é a opinião sobre o que ouço nas rádios”.
UMA ROUBADA: “Botar dinheiro em bancos. Sempre tem os boatos de que vão confiscar poupanças, coisas assim, não inspiram confiança como instituição financeira. Mas é claro que eu tenho conta corrente”.
UMA IDEIA FIXA: “Sair sempre do Rio para Pequeri, em Minas Gerais, onde fica a casa que foi de meus pais. Lá eu leio, fico na piscina, meu filho sai e volta despreocupado (João Gilberto, de 48 anos, tem sequelas de um acidente com moto que sofreu), fico no pomar, ouço discos da Renata Tebaldi, os meus mesmos e outros antigos e também jogo com meu filho. Não falo com vizinhos, já conheci todo mundo que queria conhecer, fiz toda a vida social que devia. Também não acesso internet e celular só uso para falar com minha filha Stella: aperto uma tecla e já sai direto no dela. A casa fica sobre pilotis e vejo os bois passando do outro lado; tem roseiras e jasmins na frente e ainda um abacateiro, tangerinas, louro. É onde tenho silêncio e ar puro”.
UM PORRE: “Acho um porre pessoas de mentalidade pobre, que têm necessidade de fazer compras. Até quando viajam a trabalho ficam perguntando onde é o shopping”.
UMA FRUSTRAÇÃO: “Não ter maiores desejos – outro dia, minha filha queria que eu viajasse com ela para a Espanha, mas cedi meu lugar a uma jornalista amiga dela. Conquistei pouco na vida, mas nunca esperei fazer sucesso, sempre quis trabalhar, ter meu dinheiro e ser feliz na carreira. Quanto à vida emocional, me casei muito, mas se não dava certo, eu ia adiante – se um vestido não está bom, você troca. Trauma de relacionamento para mim dura meia hora, porque nunca decidi nada num rompante. Agora, se tivesse que virar as costas e me deparar com um homem na minha cama atualmente, eu piraria. Não tenho mais vontade de trepar, acho que o desejo sexual acabou lá pelos 60 anos, quando comecei a cuidar direto dos meus pais. Nunca dependi de homem para nada, entrava em bares sozinha quando isso não era comum no Rio. Também não vejo ninguém dizendo que está bom, só vejo mulheres solteiras reclamando. Mas eu tive um vidaço – não precisei de camisinha e não existia Aids. Hoje, quando quero ver homem, assisto a uma partida de vôlei na tevê”.
UM APAGÃO: “Se for de energia nem me fale, porque moro no 13º andar. Mas lembro direitinho da época do Rio em que faltava luz todo dia e sempre tinha gente mais velha na portaria do prédio em Copacabana, esperando a luz voltar para subir de elevador. Apagão emocional, nunca desmaiei, nunca perdi os sentidos. Aliás, sou uma bebedora bem enganadora, porque nunca fiquei de porre. Mas apagão mesmo é o que está acontecendo com o nosso país”.
UMA SÍNDROME: “De ficar presa em elevador ou em lugares fechados onde não vejo a saída”.
UM MEDO: “De doença em qualquer lado, no nosso, nos outros e em mim também. Rezo muito e chego a ter pânico.”
UM DEFEITO: “Sou muito teimosa, isso é do meu signo, Touro, e demoro muito a tomar uma atitude”.
UM DESPRAZER: “Eu me basto, gosto de ficar sozinha e, para muitas pessoas, isso é um desprazer – não entendem minha decisão. Fazer mala para viagem é também um desprazer, mala de artista é feita com lista, não pode faltar nada. Há 40 anos eu viajava até de jegue, mas hoje tem que valer muito a pena. O que muita gente acha um desprazer, ir ao supermercado, eu sou apaixonada: quando vou ao Prezunic em Botafogo entro em êxtase. Acho que só casei com homens errados. Tinha que ter casado com um comerciante português, bem ignorante, aí eu ficaria em casa e ele ralando”.
UM INSUCESSO: “As pessoas que não alcançam seus desejos e ficam bisbilhotando a vida dos outros – o popular olho-grande – e comentários pesados na internet. Sou um tipo de carioca que foi criada entre Leblon e Copacabana, do colégio para a praia e o cinema, e nunca me interessei pelo o que meu vizinho estava fazendo”.
UM IMPULSO: “Comprar perfumes. Comprar bolsas eu já estou me controlando, sempre penso na hora ‘por que você vai comprar, se não está saindo para merda de lugar nenhum?’. Mas adoro bolsas em rosa, vermelho, verde, sempre gostei de estamparias, roupas bem coloridas, acho que essa história de ‘nude’ é invenção de bicha inimiga. Hoje, a mulher só falta ir de preto à praia”.
UMA PARANOIA: “Acho que não tenho, se tivesse paranoia com meu peso tinha começado a fazer uma dieta. Mas nos últimos exames o médico descobriu uma gordura no fígado. Aí já fiquei um pouco paranoica”.