Um colega costarriquenho, dos tempos de faculdade, me disse que sua maior frustração foi Copacabana.
Não que a praia fosse feia: o arco elegante do Forte ao Leme, as ondas em preto e branco do calçadão, a vasta extensão de areia, a água na temperatura certa, tudo estava lá. Mas o que ele ouvia era o barulho dos carros e das conversas: não tocava bossa nova, como na sua imaginação.
Convenhamos: sonhar com Copacabana ao som de Tom, Nara, Astrud, João e acordar com a buzina da Kombi do coco e o ronco do 435 não há de ser muito reconfortante.
Quem vem de um sonho feliz de cidade do interior, vendo o Rio de Janeiro na televisão e nas revistas, sabe bem o que é chegar aos pés do Redentor e se dar conta de que ele tem só 38 metros de altura, não os 380 (ou mais) que a fantasia lhe atribui. Com o tempo a gente se acostuma, e ele vai crescendo de novo até virar quase o Cristo Redentor da nossa infância — um Colosso de Rodes (que também, sei agora, era baixinho), uma Estátua de Zeus (ainda menor, mas feita de ébano e marfim, com olhos de safiras) um… bem, uma daquelas sete maravilhas com que toda criança sonha ao folhear os livros de História.
Ninguém se torna adulto se não aprender a lidar com a frustração. E para isso, nada melhor que confrontar as idealizações infantis.
Quem cresceu vendo o Maracanã nos filmes do Canal 100 precisa ir ao Estádio Mário Filho para ter um choque de realidade. É um grande estádio, mas não do tamanho de dez Coliseus, como parecia ser. E depois é bom ir ao Coliseu, para descobrir que ele é menor que o Maracanã.
Poucos choques terão sido tão grandes, para mim (maiores que os do Maracanã, do Redentor, do Elevado Paulo de Frontin e do Biscoito Globo), que o do Bendegó.
O Bendegó, para quem não sabe (quem sabe pode pular o parágrafo) é um meteorito encontrado na Bahia, no final do século XIX. Eu o imaginava capaz de abrir crateras como a do Arizona, extinguir dinossauros, deslocar o eixo do planeta. Sim, eu era meio exagerado: fiz do meteorito um meteoro, do meteoro uma lua – e teria feito dele um planetoide, se conhecesse essa palavra naquela época.
Um dia, na entrada do finado Museu Nacional (que o descaso deste país para com os bens culturais o tenha!) dou de cara com uma pedra. O que faria ali aquele pedregulho, com direito a plaquinha e pedestal? Era ele, o Bendegó. Como que atingido por um raio miniaturizador, o titã do espaço sideral era um calhau, um seixo, quase um cálculo renal.
Deu pena vê-lo ali, ao pé da escada, exposto à indiferença dos ruidosos visitantes. Ele, que frequentara paragens onde nenhum homem jamais esteve, a uma velocidade que homem algum jamais conhecerá (ainda que alguns tentem, de madrugada, na Avenida das Américas). Triste como um leão de circo, apático como um teorema demonstrado, jazia ali um dos fascínios da minha infância. Ao alcance da mão. Por respeito e compaixão, não o toquei.
Passei por algo parecido, muitas outras vezes. O Taj Mahal é insalubre e já lhe arrancaram quase todas as pedras incrustradas no mármore. O Buda gigante de Kamakura cabe inteiro numa selfie, a curta distância. O mojito da Bodeguita del Medio não tem nada que os outros mojitos não tenham. O Castelo Bran, na Transilvânia, é menos assustador que o Castelinho do Flamengo. O Vesúvio é um morro indolente, adormecido sobre os louros do passado.
Quem quiser que as coisas mantenham seu poder e seu tamanho precisa impedir que escapem dos livros. Que saltem da tela da tevê para a vida. Deve deixar que seu mundo se estenda do quintal até a calçada — no máximo, até a praça. Viajar amadurece. E não tem volta.