Fim da guerra do Vietnã. Píer de Ipanema. “Anistia ampla geral e irrestrita”. TV em cores no Brasil. “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Doces Bárbaros. Frenéticas. Jackson 5. Golpe militar no Chile, na Argentina. Revolução dos Cravos. O carrossel holandês. Uma no malho e outra na ferradura. Os hippies dos anos 60 se encaretam, mas non troppo. E as discos dominam o mundo, com os globos espelhados, muita dança de passo ensaiado. “Saturday’s Night Fever” é epidêmico. Essa mistura de estilos, de tempos, de sentimentos é o fio condutor de “70? Década do Divino, maravilhoso — Doc Musical” que traça um fiel panorama, sem cair no lugar comum, do que representaram esses 10 anos de pura transformação.
Ao chamar de doc musical, em tempos que a interação entre as diversas mídias e novas formas de recepção cria novos gêneros, pode-se obter aquilo que o idealizador, diretor e produtor geral Frederico Reder e o roteirista e pesquisador Marcos Nauer chamaram de Doc.musical, que, ao documentar um momento da cena do showbiz, colocam, no mesmo ambiente, documentário, teatro e música. Esse mesmo trabalho foi feito no inicial “60! Década de Arromba — Doc. Musical” que representou os tempos da gênese da música como um fenômeno pop.
Em dois atos, o musical vai além de enfileirar os maiores sucessos do período; de forma didática, o que funciona bastante bem, a cobertura é feita por cada ano. O enorme painel de led no qual a explosão de luz, de imagem, de cores documenta com fidelidade os ícones da época e também transporta para o esfuziante clima de noites iluminadas é o dominante e funciona como um enorme manto. As transformações do manto realizam a marcação das mudanças de ambientes, estilos de música e causam um impacto visual que transforma o espaço cênico numa enorme discoteca.
E claro, esse bolo tem uma supercereja; na verdade, três. A presença das Frenéticas Dhu Moraes, Leiloca Neves e Sandra Pêra corporifica e traz à cena o símbolo do que foram esses anos. As três dançam, cantam, fazem outras personagens, mas não perdem aquilo que é o foco do espetáculo: havia que sobreviver às guerras, às ditaduras, às drogas.
O ponto alto de um espetáculo que retrata os anos mais dançantes do século 20 são as coreografias absolutamente incríveis de Fábio Maia. Com um elenco de 23 jovens, bastante talentosos, que escapam do corpo apenas músculo, todas as músicas ganham diferentes marcações que se adequam além do ritmo. A combinação inclui o que a letra quer dizer, as cores dos figurinos (também interessantes), os fatos marcantes do que o determinado ano nos diz e que bailarina está solando naquele número específico. Assim, há humor, paródia, encantamento, força. Tudo depende de qual a música — exatamente como acontece nas discos. Junto, separado, fazendo coreografia coletiva, os anos 70 nos disseram que mexer o corpo é libertar-se. Esse é o tom que Fábio imprime e consegue, com muita eficiência, realizar a sua intenção.
Nos embalos de sábado a noite, rolava de tudo, e esse tudo acontece com 250 clássicos dos mais diferentes gêneros e estilos, tanto da música brasileira quanto da internacional: de Doces Bárbaros a Elton John, Queen a Mutantes, Roberto Carlos a Donna Summer, Novos Baianos a Pink Floyd. A lista é infinita: Raul Seixas, Secos e Molhados, Sidney Magal, Tim Maia, The Carpenters, David Bowie, Kiss, Led Zeppelin, Gloria Gaynor, Michael Jackson e outros . “70? Década do Divino, maravilhoso – Doc Musical”, 40 anos depois, reafirma que se pode ir em frente, mesmo em momentos hostis, com música, dança, talento, alegria. Atento e forte, sem temer a morte.
Serviço:
Theatro Net Rio.
Rua Siqueira Campos 143, 2º piso, Copacabana. Tel: (21) 2147-8060.
Quinta e sexta, às 20h30, sábado, às 17h00 e 21h00, e domingo, às 18h00 e 19h00.