Quando acenderem a fogueira, além de Fernanda Montenegro, lembrem-se de convocar Eloi Nascimento, de 30 anos, que se autointitula o “feiticeiro do povo”. Na família, a avó era uma maga iorubá e a bisavó, bruxa indígena. A palavra “abracadabra” tatuada na nuca deixa evidente a aura mágica que habita nesse Harry Potter dos trópicos que se vale de rituais de gerações passadas e aplica no cotidiano sob uma leitura moderna.
Tudo o que Eloi toca tem sabor de alquimia. Quem experimentou as muitas delícias criadas sob o selo da Casa Bon Ton sabe, seja uma de suas tortas com especiarias exóticas, seja um chá à base de larvas da cana-de-açúcar. Um legítimo bruxo, que, antes do ritual de abertura do oráculo da semana, conversou com a coluna. “Sou ótimo em maldições; na verdade, poderia dizer que é uma das minhas especialidades. Inclusive, já as pratico com os atuais políticos que estão arruinando a nossa população e devastando a natureza. Na minha lista, estão Bolsonaro e Witzel”, proclama.
Você possui algum tipo de poder?
Quem tem o poder são os super-heróis e milionários (risos). Além da minha mediunidade aflorada, tenho um trabalho que transita na clarividência, a partir de objetos mágicos, curas e rituais sagrados. Estudo gerações e antepassados que se transmutaram e se transformaram em dons espirituais. Tenho a sorte de vir de um ambiente familiar com avó bruxa iorubá por parte de pai e bisavó bruxa indígena pelo lado de mãe, sem contar as minhas encarnações ligadas à bruxaria. Aprendi em família a manusear muito bem ervas de cura, plantas mágicas e a criar amuletos. Devemos aprender a usar bem os poderes do inexplicável. Eles requerem muita responsabilidade, uma vez que, dentro do todo, estamos nós. Tudo o que emanamos absorvemos também.
Você tem alguma receita caseira que pudesse sugerir para abrandar a saúde coletiva do povo brasileiro, especialmente em tempos de falta de delicadeza?
Uma boa infusão de hortelã diariamente é perfeita. Ela tem o poder de colocar a nossa cabeça no lugar e dar um refresco aos nossos sentidos, sendo ótima também para concentração e autoestima. Neste momento tenso do País, nada como colocar a cabeça no lugar, não é mesmo? Indico também um bom banho de água de coco com alecrim e manjericão, sempre às quintas-feiras, ideal para abrir nossos caminhos a coisas boas.
O que é mito e verdade quando se fala em bruxaria?
Primeiramente, entender o que é bruxaria porque é algo bem abrangente saber que não existe a separação do bem e do mal. Na natureza, somos o todo, temos os dois polos e precisamos ter ciência disso para que a sabedoria nos guie a fazer a coisa certa. Cabe a nós a grande responsabilidade de compreender o que é fazer o bem e o mal. E isso é tão difícil… Um dos principais mitos, e daqueles mais ignorantes, é acreditar que bruxos têm pacto com o demônio. O diabo foi criado pelo Cristianismo para assustar e controlar o povo – não existe. O bem e o mal estão sempre juntos. Por isso, os deuses pagãos são benevolentes e às vezes malevolentes. Apesar de divinos, eles são o reflexo de quem nós somos de verdade.
Quem você deixaria queimando na fogueira?
Na verdade, queimar na fogueira é um ritual de purificação pagã usado em muitas culturas e que foi apropriado de forma negativa pelo Cristianismo ao executar bruxos e alquimistas. Eu não usaria isso pra castigar ninguém; é um lindo rito. Em contrapartida, sou bom em maldições. Aliás, poderia dizer que é uma das minhas especialidades, inclusive sobre aqueles políticos que dizem defender “o bem e a família em nome de Deus”. Esses não fazem parte do meu time. Os índios vivos e mortos, os negros, as crianças e jovens assassinados nas favelas, os refugiados maltratados, os animais queimados, a falta de cuidado com a natureza… Estão todos concentrando a energia negativa em cima desses caras. E eles não vão sair ilesos, nem sob reza forte. A cobrança vai bater na porta deles da pior forma. E já começou…
Bruxaria é religião?
Não. Cada um pode seguir qualquer doutrina e também ser bruxo. Não aceito quando ouço “não faço trabalhos e rituais”. São essas mesmas pessoas que comem peru no Natal, que é uma prática de sacrifício animal, atracam-se a ovos de chocolate e frutas na Páscoa, nada mais que um ritual de prosperidade, e colocam pãozinho e água no oratório como forma de oferenda. Ora, isso não é fazer trabalho?
Descreva parte do seu ritual diário.
Tudo sempre é pensado e alinhado com o que eu acredito e cultuo – desde os perfumes e aromas que uso aos banhos que faço e a alimentação. Tudo é energia! Tudo o que entregamos para a mundo é o que se reflete para nós. Gosto de começar o dia com uma boa defumação e meditação, comer alimentos direcionados à energia da lua e do sol naquele momento, fazer banhos com ervas sagradas e escolher roupas que condizem com a energia do dia. Até minhas tatuagens são mágicas e pensadas estrategicamente sobre a energia no ponto específico do meu corpo e na comunicação com o mundo.
Há algum tipo de “trabalho” que você indique para que o Rio volte a ser a Cidade Maravilhosa?
Vamos começar limpando os fanáticos religiosos do governo; essa energia negativa precisa sair! Depois, uma boa defumada e um bom banho de carrego na educação e segurança. Isso já é um bom começo.