O escritor Marcos Eduardo Neves, da biografia “Nunca Houve um Homem como Heleno”, que virou filme com Rodrigo Santoro, ficou interessado pela história de um homem desconhecido publicamente, mas que tem muitos casos inacreditável pra contar, praticamente um “Forrest Gump” brasileiro. Em “Gilberto Gama de Histórias”, ele conta a vida de Gilberto Barbosa Gama, hoje com 82 anos, dono de uma empresa de dedetização no Rio – “se as pessoas soubessem como é a cozinha de alguns restaurantes famosos, nunca mais pisavam lá”, diz Gilberto em passagem do livro. Ainda na publicação, ele conta que aos 16 anos, falsificou a carteira de identidade para entrar na Brigada de Infantaria de Paraquedistas, ainda meio desconhecida no País e com poucos voluntários; presenciou rituais antropofágicos quando viveu alguns anos na tribo de índios Nhambiquara; chefiou a segurança de hotéis cariocas e tem passagens com nomes, tais como: Juscelino Kubitschek, Maysa, Chico Meirelles, Jacques Cousteau, Pierre Cardin, Jorginho Guinle, Dorival Caymmi e Ivo Pitanguy.
O gosto de Marcos por biografias começou cedo: aos 27 anos, o então estudante de jornalismo publicou “Anjo ou demônio: a polêmica trajetória de Renato Gaúcho” (2002). Desde então foram 10 livros. “Gilberto” vai ser lançado nesta quinta-feira (29/11), no Rei do Bacalhau, na Gávea; e no dia 13 de dezembro, para comemorar os 37 anos da conquista do Mundial Interclubes do Flamengo, lança “Nunes, O Artilheiro das Decisões”, sobre João Batista Nunes, atacante autor de dois gols no jogo contra o Liverpool.
Por que Gilberto Barbosa Gama, um nome desconhecido?
Meu amigo Evandro Teixeira (fotógrafo atuante no Rio desde os anos 50) me contou a história dele falando que tinha passagens com Juscelino Kubitschek, Maysa, Chico Meirelles, Jacques Cousteau, Pierre Cardin, Jorginho Guinle, Dorival Caymmi, Ivo Pitanguy, cacique Raoni e até Madonna… Imagina isso? Tive que escrever sobre ele. Depois de dois anos de encontros, o livro saiu. Hoje, aos 82 anos, completamente lúcido e ativo, ele montou uma empresa de dedetização. Mas já fez de tudo – de executivo da Coca-Cola a segurança de grande hotel. O inacreditável é que mesmo as histórias mais absurdas são verdades, que ele me provou com documentos e fotos.
Qual a história mais inacreditável?
Uma é sobre o dia em que salvou o Leonel Brizola. O político estava hospedado no hotel Everest, em Ipanema. Na época, ele era segurança do Caesar Park, e ligaram para que desse um pulo lá por terem encontrado um pacote de papel pardo debaixo da cama. Era uma bomba. Devia ser dinamite. Com relógio marcador. Até porque Brizola tinha agenda forte. Tempos depois, quando Brizola pisou pela primeira vez no Caesar Park, já governador, um jornalista os apresentou. Contou que tinha sido Gilberto quem desarmara a bomba do Everest. Leonel o abraçou e jurou que, se precisasse de algo, bastava procurá-lo no Palácio.
Como descobriu seu gosto por biografias?
Entrei tarde no Jornalismo, aos 24 anos, e ninguém me chamava para estagiar. Por ser gandula do Flamengo, fiz amizade com Renato Portaluppi (Gaúcho), hoje técnico do Grêmio, e ele me autorizou a fazer seu livro “Anjo ou Demônio – a polêmica trajetória de Renato Gaúcho”. Logo surgiu o projeto Heleno de Freitas (“Nunca houve um homem como Heleno”, 2006), que virou filme com Rodrigo Santoro. Esse ano eu fecho 10 livros publicados.
Ruy Castro, de ídolo, passou a amigo. Como foi isso?
Sem saber, ele me motivou a virar biógrafo. Bastou eu ler ‘Anjo Pornográfico’, biografia do Nelson Rodrigues. Era aquilo que eu queria fazer na vida. Durante o projeto Heleno, Ruy deu entrevista dizendo que a única biografia de futebol que o interessava era a do Heleno. E eu estava terminando o meu. Consegui seu telefone, me apresentei e pedi a ele para fazer o prefácio. Ele me diria após o lançamento: ‘Agora, finalmente posso parar com as biografias’. Desde então, sempre que lhe procuram por biografia, ele dá meu contato. Já fiz três graças a ele. Biografias são desgastantes mesmo, só estando apaixonado pelo personagem. O Ruy é minha principal referência.
Qualquer um pode ser um biografado?
O mercado pede isso. É a ordem do consumo; o pessoal quer devorar rápido certos produtos. Como uma biografia da Anitta, que será livro descartável daqui a alguns anos, quem sabe. A Kelly Key, por exemplo, foi logo esquecida. Chamo isso de ‘obrografia’, é coisa de momento. Não me interessa, mas sim ao público dela.
Os personagens polêmicos são sempre melhores? Uma que quer muito fazer?
Amo o Zico, mas não consigo ler nenhum dos 10 livros que existem sobre ele, porque fico com sono. Igual ao Kaká: se ele me pedisse para fazer um livro, poderia ser monótono, porque todos os dois são todos certinhos, exemplares, perfeitos. Não gosto muito disso. Adoraria fazer a do Wilson Simonal, mesmo sabendo que já há três existentes. Gosto dessas histórias. Um cara que foi o rei do mundo e virou aquilo do cavalo do bandido, sem amigos. Gosto de história de quem vai do céu ao inferno.
É difícil ser um autor independente?
Nesse País sim, porque o mercado é instável. A editora é uma via, mas ninguém pensa ‘vou contratar um biógrafo e ver o que o mercado quer’. Ainda mais agora, que o STF autorizou a publicação de biografias, era a hora de se investir nisso. Até porque achei uma palhaçada aquele movimento ‘Procure Saber’, principalmente Chico Buarque, nosso ídolo, filho de quem era (do historiador Sérgio Buarque de Hollanda), aderir a isso. Você entra num mercado europeu ou norte-americano e tem 80 livros sobre Frank Sinatra, 200 livros sobre Michael Jackson, 500 livros sobre John Lennon, mas aqui vem o Roberto Carlos, que sempre a dorou controlar tudo e não pôde pela primeira vez, o cara entra numa e vai todo mundo atrás. Achei absurdo Caetano e a grande nata daqueles que lutaram contra a censura quererem calar a boca dos outros. Os caras lutavam contra e agora são a favor de censurar. Se o livro foi escrito por um cara despreparado ou com má intenção, processe, mas não cerceie o trabalho de ninguém. Já aviso ao biografado antes de começar: prepara, que vou saber mais da sua vida do que você mesmo.