Gustavo Filgueiras é um otimista com o Rio — essa é sua maneira de ver as coisas, antes, durante e nesta fase da pandemia. Aquele jeito modelo-de-antidepressivo não é com ele, ainda que tenha passado por algumas turbulências, digamos assim, desde que decidiu trazer o Emiliano de São Paulo para Copacabana, há cinco anos. O hotel foi 100% finalizado em julho de 2017.
À época, Filgueiras sobreviveu a uma das piores crises econômicas e de segurança pública do Estado do Rio, incluindo uma guerra entre traficantes na Rocinha, às vésperas do Rock in Rio, com repercussão mundial, notícias sobre tiroteios e Exército nas ruas, que afastaram os turistas. Além disso, sofreu a morte de Carlos Alberto Filgueiras, seu pai, fundador da rede, aos 69 anos, também em 2017, quando o avião da família caiu nos arredores do aeroporto de Paraty, onde tem casa, e ia para um fim de semana com o amigo Teori Zavascki, ministro do STF. Dois anos depois, veio a pandemia; ele, porém, segue entusiasmado, sem alteração. O Emiliano ficou fechado de abril a outubro de 2020. Ele teve que reduzir a equipe, acumular funções e, ainda assim, aproveitou para fazer uma reforma no terraço, onde fica a piscina — de borda infinita.
No pós-pandemia, Gustavo está ainda mais confiante, acreditando que o público internacional terá um grande peso no turismo. A cidade está voltando, segundo ele, a ser um “hotspot”.
Está fazendo cinco anos do Emiliano Rio. De lá pra cá, o que mudou no hotel, o que mudou em você?
Ao longo desses cinco anos, atingimos um grau de maturidade, em que a satisfação dos clientes está em patamares muito elevados. Essa era uma das premissas iniciais do Emiliano: tornar-se referência de serviço na cidade. A gastronomia é um dos nossos focos e, complementando a experiência já reconhecida e consistente do Restaurante Emile, lançamos, na reabertura do Emiliano Rio, o restaurante do terraço do hotel. Fizemos um novo layout e menu exclusivo, provendo uma experiência gastronômica com a maravilhosa vista do Pão de Açúcar. Havia muita procura para eventos pontuais que ali ocorriam, a exemplo do Jantar da Lua Cheia, e, a pedido dos próprios cariocas, resolvemos abri-lo definitivamente, de quarta a sábado (mediante reservas). Eu também me sinto mais maduro (e talvez menos tímido…) em relação ao todo. Sempre fui responsável por todos os detalhes operacionais e com o cuidado da cultura junto à equipe. No entanto, tinha menos contato com hóspedes e algumas relações institucionais, essas responsabilidades que ficavam a cargo do meu pai. Posso dizer que estou mais solto, mais sociável e seguro, sendo assim, assertivo em minhas decisões.
No auge da pandemia, você falou, aqui na coluna, das incertezas daquele momento. Em que pé estão agora?
O Rio passou por momentos difíceis no Pós-Olímpico e, em seguida, foi duramente atingido pela pandemia. Foram momentos de muita incerteza, porém, olhando no curto/médio prazo, nunca estive tão otimista em relação ao futuro do Rio. A imagem da cidade melhorou muito e está reverberando de forma positiva no Brasil e no exterior. Em breve, os estrangeiros estarão de volta, a exemplo da recente abertura da França para aqueles que estão com as doses completas da vacina…
Como dono de hotel no Rio, São Paulo e Paraty, a quantas anda sua confiança na retomada?
Como eu disse, sou muito otimista com o futuro do turismo do Brasil e confiante na retomada da cidade, mas não gosto de comemorar a vitória antes do tempo. Todos precisam fazer a sua parte para que isso ocorra de forma consistente, e a atual gestão tem tudo para conseguir reerguer o Rio em breve. Estamos no caminho certo. A cidade está mais segura e organizada. A Copa do Mundo e as Olimpíadas foram responsáveis por dar um passo importante para melhorar o nível dos serviços, gastronomia e atividades. Neste ponto, passadas as turbulências anteriormente mencionadas, ela está pronta para receber esse novo fluxo internacional de viajantes.
O Rio e a vida carioca lhe ensinaram alguma coisa?
O carioca sabe viver bem, sem precisar de muito, ter qualidade de vida e aproveitar a natureza. A descontração e a leveza da cidade fazem com que não tenhamos algumas posturas mais duras, que servem como um contraponto para um dia a dia mais rígido, como o da cidade de São Paulo. Isso é ótimo, ajuda-nos a pensar com mais clareza. No Rio, o equilíbrio da equação indoor x outdoor é muito melhor do que em São Paulo. A cidade o convida a explorar a sua linda natureza. Uma experiência que posso compartilhar, como um apaixonado ciclista de estrada, são as pedaladas pela Estrada das Paineiras, incluindo subir a desafiadora Vista Chinesa e indo até o Cristo. Apesar de já ter pedalado em diferentes países, o momento mais marcante no esporte foi a minha primeira visita ao Corcovado, que se deu a bordo de uma bicicleta.
O Emiliano de SP acaba de fazer 20 anos. Você assumiu em 2017, com a morte do seu pai, Carlos Alberto, pegando, digamos, o trem em movimento. Desde então, a vida de hoteleiro tem sido doce? Qual a sua principal motivação como empresário dessa área?
A vida do hoteleiro é muito intensa. Ao mesmo tempo em que se trabalha muito, a qualquer dia ou horário, é muito gratificante. É de fato apaixonante. Desde 2008, eu estou à frente das operações do Emiliano. Com o trágico e repentino falecimento do meu pai, perdi o apoio de um visionário e uma opinião crítica sobre o meu trabalho, mas houve uma continuidade na dinâmica do dia a dia. Operacionalmente, pouco mudou. Foi um aprendizado amadurecer as minhas decisões sem a presença da sua personalidade marcante.
O turista mudou? Para esse perfil, mais exclusivo, que é o seu cliente, a brasilidade anda em que nível?
A pandemia fez com que os clientes se tornassem mais exigentes com higiene, qualidade e privacidade. Os hóspedes fazem questão de ir a um hotel onde se sintam seguros e acolhidos a cada etapa de sua estada. Viajar deve se tornar uma fuga da rotina diária, fortemente vinculado a escapar do cotidiano, explorar diferentes culturas e vivenciar o melhor da vida. O Rio é o berço da cultura brasileira, uma cidade festiva e vibrante. Passada a pandemia, a cidade voltará de forma mais organizada e segura, o que é muito bom para o mercado como um todo, principalmente para o viajante de alta renda. O público internacional terá grande peso no turismo da cidade, que está voltando a ser um “hotspot” como destino. Enquanto as restrições sanitárias não permitem ao estrangeiro chegar, o mercado nacional ocupa os hotéis aos fins de semana, principalmente o paulista, que recuperou a confiança na Cidade Maravilhosa.
Você também é conhecedor dos prazeres da mesa; até por isso, foi nomeado “officer” da ordem francesa Coteaux de Champagne… Você interfere na escolha dos rótulos e pratos dos restaurantes da rede?
De fato, sou apaixonado por gastronomia e tenho um carinho especial pelos champagnes. No Emiliano, muitas das decisões são tomadas de forma colegiada, na qual diferentes pessoas participam dessa aprovação. A exemplo da substituição de algum prato do restaurante, ele é alinhado pelo chef de cozinha em conjunto com o gerente de Alimentos e Bebidas e o gerente-geral. No final do processo, eu participo da degustação dos pratos em conjunto com a equipe envolvida e eventualmente outros membros. Por muitos anos, fazia, em conjunto com a equipe, a degustação de todos os vinhos que poderiam ser introduzidos na carta. As decisões eram tomadas de forma muito democrática. Infelizmente, a minha intensa agenda não me permite estar em todas; algumas vezes, até acaba atrapalhando. Atualmente, meu envolvimento ocorre principalmente nas negociações comerciais e definição dos parceiros com quem trabalharemos.
Foto: Bruno Ryfer