Para o Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, que completou 85 anos em 2021, um dos hospitais-referência no Rio, convergem as mais variadas dores, digamos assim: do físico ao espírito, acentuado na pandemia. Conversamos com o diretor-geral, o ortopedista Cristiano Cúrcio Chame, de 42 anos, para saber a quantas anda a emergência de um grande hospital público como o MM neste momento, com a Ômicron em alta? Cristiano tem uma longa história no HMMC desde estudante, onde seu pai, Cláudio Chame, também ortopedista, fez carreira, e ali atua há 30 anos. “Meu pai sempre foi meu maior exemplo de homem e profissional. Eu sempre quis ser médico, diz. E completa: “Minha história é toda ligada ao hospital MM desde a época de estudante, ainda na faculdade; depois, na minha especialização. Até chegar à direção, fui acadêmico, residente, médico, chefe do Centro Cirúrgico e, agora, diretor-geral.”
Como está a situação da emergência do Miguel Couto neste momento, em que praticamente a cidade inteira está com a covid?
Falando do Complexo Miguel Couto (CER) Leblon, posso dizer que o número de atendimentos clínicos de síndrome gripal aumentou bastante, principalmente nesta última semana. Tivemos um pouco mais de 200 atendimentos somente de síndrome respiratória aguda grave, pela covid, durante os últimos sete dias, mas felizmente o número de internações desses pacientes não tem sido grande e os que precisam, neste momento, são para leitos de enfermaria, e não de CTI.
Em que a covid-19 mudou para alguém que ocupa um posto como o seu?
A covid mudou muito para todos nós. Como gestor, posso dizer que nunca vivi um período tão difícil, principalmente no início da pandemia, quando enfrentávamos uma doença desconhecida. Não sabíamos se teríamos todos os EPIs necessários, incluindo o medo de voltar pra casa e contaminar a família. Buscamos o que podia proteger-nos, sem saber ao certo o que teríamos para tratar os pacientes e vendo nossa equipe adoecer, perdendo a força de trabalho do nosso hospital. Foi realmente muito difícil, mas felizmente a vacina chegou para mudar esse quadro.
Como tem sido lidar com o grande número de médicos infectados?
Não só médicos, mas também nossa equipe de enfermagem, fisioterapeutas, administrativos e todas as outras categorias que são essenciais ao atendimento à população, estão ficando doentes, e isso nos aflige, pois não podemos diminuir nossa capacidade de atendimento e, muito menos, perder a qualidade. Essa equipe, que tanto luta na linha de frente contra a covid, é nosso maior bem. Felizmente, com a vacina, mesmo a doença mostrando-se muito contagiosa, desta vez, tem desenvolvido quadros muito mais leves. Nossa equipe de funcionários positivando pra covid é uma situação que nos deixa preocupados.
O senhor acha que muitas pessoas, por terem suspendido os planos privados, trouxeram ainda maior sobrecarga ao sistema público?
Sem dúvida nenhuma! Temos realmente assistido a essas situações nos últimos anos. Muita gente perdeu ou não teve mais como pagar o plano de saúde, o que impacta, sobremaneira, o sistema público de saúde.
A pandemia aumentou o número de atendimentos psiquiátricos?
Sim, a pandemia aumentou bastante o número de atendimentos psiquiátricos durante o período de quarentena. É claro que ainda convivemos com a dor da perda de parentes e conhecidos, o que, muitas vezes, leva à necessidade de uma ajuda médica para superar. Hoje, porém, é em menor número do que quando vivíamos no isolamento.
O Miguel Couto é referência em trauma e acidentes em geral; mesmo alguns cariocas com ótimos planos ficam tranquilos sendo operados aí. De onde vem essa fama?
Em 2021, comemoramos 85 anos de história. É claro que, pela localização, em plena Zona Sul do Rio, vão dizer que seria um fator, mas eu diria que essa referência se dá principalmente pela qualidade de nossos profissionais. Eu me orgulho demais de dirigir esse hospital, principalmente pela equipe que temos aqui. Vamos a um exemplo prático: o professor Nova Monteiro, que era um ortopedista reconhecido mundialmente, criou aqui, no hospital, há mais de 70 anos, o principal serviço de ortopedia do Rio, que opera quase 2.000 cirurgias por ano e que já formou o impressionante número de quase 1.000 ortopedistas. Outro exemplo aconteceu agora, este ano: fomos o único hospital que preencheu todas as suas vagas de Residência Médica no município, ou seja, somos a principal escolha dos médicos que querem especializar -se. No ano passado, fomos a 1ª Residência Médica em especialização de Emergência do município do Rio. Tudo isso comprova que hoje somos uma referência em ortopedia, cirurgia vascular, neurocirurgia, cirurgia-geral e outras especialidades.
Comenta-se, na classe médica, que os médicos brasileiros que trabalham em condições mais difíceis acabam sendo mais bem formados que outros que trabalham em condições ideais? Faz sentido?
É difícil dizer em melhor formação, mas realmente nós, médicos brasileiros, muitas vezes em condições tão adversas e com tão pouco, conseguimos fazer algo tão bom e com tanto sucesso, que ao menos podemos dizer que somos, no mínimo, mais criativos. E o médico do SUS, em especial, vive muito isso. Em alguns locais, há tão poucas condições, mas o médico, sem nenhum tipo de distinção, luta incansavelmente em buscar o melhor pelo seu paciente. O SUS devia ser o motivo de orgulho para este país.