Enquanto seu primeiro livro, “Sonho Grande” (sobre a trajetória dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira), ainda tem um caminho de sucesso – já vendeu mais de 300 mil exemplares no Brasil, foi lançado na Coreia, há uma versão em inglês e, este ano, vai ser publicado na China – a jornalista Cristiane Correa já está na maratona de divulgação e lançamento de “Abilio” (Editora Primeira Pesssoa), sobre Abilio Diniz, o ex-dono da rede varejista Pão de Açúcar e atualmente um dos maiores acionistas do Carrefour.
Discreta, a jornalista, que foi por seis anos editora-executiva da revista Exame, diz que a decisão de abandonar a redação para se tornar uma escritora foi sofrida e levou dois anos. Ela não esconde que consultou o escritor Laurentino Gomes e o guru de gestão Jim Collins para entender melhor o processo de escrever não ficção e não “ter de inventar a roda”. Também revela que teve a humildade de mostrar o livro para algumas pessoas e aceitar fazer mudanças. Tanta disciplina, semelhante a de seus biografados, está dando muito certo. No Rio, o lançamento de “Abilio” é na quarta-feira (29/07), às 19h, na Livraria da Travessa.
Quando você escreveu seu primeiro livro, “Sonho Grande”, a questão das biografias não autorizadas ainda não havia sido decidida pelo STF. Isso intimidou você de alguma maneira, a ponto de se precaver judicialmente?
“’Sonho Grande’ é mais um livro de gestão que propriamente uma biografia. É muito mais focado no modelo de administração criado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira do que em suas vidas pessoais. Minha maior preocupação era que o livro não tivesse erros. Escrever um livro correto era minha maior proteção contra possíveis questionamentos”.
Em matéria que saiu na Folha de São Paulo consta que o empresário Abilio Diniz, depois de ter lido o livro sobre ele, teria considerado “uma visão muito particular ”, dando a entender que algumas fontes também distorceram a história. O que acha desse comentário?
“Para construir a minha visão da trajetória de Abilio entrevistei quase 90 pessoas – a esmagadora maioria delas pessoalmente e por várias horas. Além disso, fiz um exaustivo trabalho de pesquisa em jornais e revistas brasileiros e estrangeiros. No entanto, um livro é, sempre, o resultado da visão particular de quem o escreveu. Com base em todos os fatos que apurei, usei a minha experiência para contar a história da maneira que julguei mais correta e atraente”.
O fato de ser mulher, mesmo com toda a sua estrada de credibilidade no jornalismo, em algum momento atrapalhou a produção dos seus livros? Empresários são entrevistados muito difíceis de se conseguir desarmar, de darem declarações mais autênticas e descontraídas?
“Nunca senti qualquer tipo de preconceito para exercer minha atividade por ser mulher. Aliás, em redações como a da revista Exame, onde construí parte da minha carreira, a presença feminina é maciça. Acho que você pode encontrar entrevistados difíceis em todas as áreas, não só no mundo empresarial. Não tenho grandes segredos para entrevistar essas pessoas. Talvez o mais importante nesse sentido seja se preparar muito bem para a conversa. Improvisar as entrevistas não costuma funcionar”.
Vc já disse que nunca encontrou um empresário que mantivesse o seu negócio só por dinheiro. O que mais move as pessoas? Vaidade, gosto pelo poder? Como anda o altruísmo dos empresários brasileiros?
“De fato nunca conheci um grande empresário cujo maior objetivo fosse acumular dinheiro. Para eles, dinheiro é uma consequência, não o principal. Pense no Warren Buffett, por exemplo, que é o terceiro homem mais rico do mundo. Ele tem 84 anos e está em plena atividade. Quando o entrevistei para o ‘Sonho Grande’, ele me recebeu no escritório, num sábado. Até hoje costuma trabalhar aos finais de semana. Obviamente não é pelo dinheiro – até porque ele leva uma vida bem austera. Ele gosta do jogo, de construir coisas importantes. O sentimento de realização é muito importante que o dinheiro para a maioria desses empresários.
Em termos de filantropia, os empresários brasileiros ainda são muito mais tímidos que os americanos, por exemplo. No entanto, é possível notar vários avanços – tanto na multiplicação de ONGs criadas por esses empresários quanto no volume de doações. É preciso lembrar que o número de bilionários no Brasil cresceu. Hoje existem 54 bilionários brasileiros no ranking da revista Forbes – há uma década, esse grupo não chegava a 10 pessoas. Ou seja, a dedicação de tempo e dinheiro dos grandes empresários brasileiros está aumentando, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que um deles se torne um Bill Gates.
O trio Telles, Lemann e Sicupira comprou a Brahma em 89, quando o Brasil passava por um momento político delicado com a polarização Lula-Collor. O país está, novamente, num momento crítico. Você teria como apontar alguns setores ou empreendimentos que podem se beneficiar, no bom sentido, dessa crise?
“O trio também comprou a cervejaria Anheuser Busch em 2008, em pleno estouro da grande crise financeira internacional. Acho que encontrar oportunidades durante uma crise tem mais a ver com a cultura e DNA de uma empresa do que propriamente com o setor em que ela atua. Não há dúvida de que mesmo em momentos adversos algumas empresas conseguem ganhar dinheiro (ou pelo menos perder menos que suas concorrentes).
O risco dos momentos de crise é deixar expostas empresas que já estão fragilizadas. No livro ‘Abilio’ eu conto em detalhes o drama que o Pão de Açúcar enfrentou nos anos 90, que quase o levou à falência. O Plano Collor, em 91, provocou uma série de dificuldades para a maioria das empresas brasileiras. Mas o Pão de Açúcar sofreu mais que algumas concorrentes porque tinha problemas internos que agravaram a situação. Abilio Diniz precisou reestruturar completamente o Pão de Açúcar para tirá-lo daquela situação delicada. Seu lema, na época, era ‘corte, concentre, simplifique’. No final, ele conseguiu transformar uma empresa quase quebrada na líder do varejo brasileiro”.
O Brasil ainda tem muitos empreendedores dignos de serem biografados ou seu sonho grande é escrever sobre empresários internacionais?
“Ainda há muitas histórias boas de brasileiros para serem contadas e uma nova geração de empreendedores vem ganhando espaço no país. Assunto aqui é o que não falta!”