A paraense Berna Reale é perita criminal, mas essa não é a única forma em que ela vivencia a violência. Uma dos três artistas que estão com trabalhos na Bienal de Veneza, ela faz performances com o objetivo de criar um ruído provocador de reflexão.
A partir desta quarta-feira (12/08), as fotos de Berna podem ser vistas, no Rio, na exposição “Novos talentos: fotografia contemporânea no Brasil”, na Caixa Cultural, com curadoria de Vanda Klabin. São imagens da série “Púrpura”, que teve a participação de 50 jovens: elas marcharam pelas ruas de Belém com bocas de acrílico que dão a elas a aparência de bonecas infláveis.
Mas outras performances de Berna também são tão ou mais impactantes. Em “Quando todos calam” (2009), ela ficou nua e ofereceu vísceras colocadas em sua barriga para que urubus se alimentassem; em ‘Imunidade” (2014), ela atravessa, remando uma gôndola cheia de ratos brancos, um canal fétido – uma crítica à política feita no país. “Me incomoda muito o ser humano não se ver no outro e me assusta a violência se tornar íntima”, explica a artista.
Você criaria uma performance específica para o Rio, tem em mente algo assim?
“Acho que criaria onde o espaço geográfico do Rio fosse ajudar no que gostaria de falar, mas me concentraria em questões globais ou nacionais. Penso que a geografia, principalmente das favelas, olhando para a classe alta lá embaixo uma coisa muito impressionante – no sentido de ser uma situação absurda, desigual e ao mesmo tempo irônica. Acho que é o maior contraste a olhos nus do mundo. Geralmente as periferias são apagadas das fotos das grandes e belas cidades, mas para fazer isso no Rio é bem difícil”.
Na Bienal de Veneza você apresenta o vídeo da sua performance “Americano”, quando percorreu presídios levando uma tocha olímpica. Tem aí alguma crítica implícita às Olimpíadas no Brasil?
“Sim! Sim! Total! Fiz em 2013 já falando de 2016. Não acho desnecessárias as Olimpíadas, mas não penso que deveriam ser prioritárias, e é esse o problema”.
É verdade que você odeia quando é comparada com a Marina Abramovic? (Nota do site: artista sérvia famosa e respeitada por fazer performances desde a década de 70)
“Não, não odeio! (rssss) Usei essa palavra como força de expressão uma vez e pronto, ficou como marca, mas infelizmente é assim, quando falamos as pessoas entendem do jeito que for mais conveniente ou usam o que dissemos como forma ou de destacar ou atacar. A verdade é que acho graça dessa comparação, pois é sem base. Enquanto ela se dedica a questões ligadas aos limites do corpo, com performances de longa duração, minhas obras são curtas e relacionadas à violência. A única coisa que temos em comum é que ambas estamos presentes no momento do nosso trabalho. Presentes em corpo e alma!”
Você tem alguma preocupação estética ou um certo pudor ao mostrar seu corpo nu nas performances? As pessoas próximas a você aceitam bem a ideia?
“Eu fiz duas performances despida e antes me fiz a pergunta: eu poderia estar vestida? E a resposta foi não. Talvez por isso, em nenhuma delas se veja algo de sexual, porque o corpo está ali em sua totalidade e não em aspectos isolados. Me senti bem e penso que as pessoas também viram um corpo, o corpo de todos, não foi ouvida nenhuma palavra de baixo calão. Minha família me apoia muito, todos unem forças para me ajudar a resolver a produção de uma performance, dando ideias, carregando caixas etc. Digo que somos iguais a japoneses! (rssss) Tenho dois ex-maridos que são dois amigos, duas filhas lindas e maravilhosas e um namorado que é meu anjo da guarda e minha paz e amo todos eles. Às vezes reúno a turma para me sentir uma mulher sortuda e poderosa (rssss)”.