Muito se fala da Reforma da Previdência, finalmente aprovada no Congresso Nacional depois de muitos conflitos e esperadas oposições. Entretanto, um montante acentuado de incertezas continua pairando sobre o assunto. Para muitos, sobretudo os idosos, a incerteza parece ser ainda maior. A escuta dessa questão por um psicanalista naturalmente tem muitos significados, nunca ignorando a realidade das ansiedades relativas ao futuro: “Quem vai cuidar de nós lá na frente, de forma adequada e justa?”.
Entretanto, o psicanalista não pode ignorar outra realidade que é inerente ao seu domínio limitado. Trata-se da ligação com quem cuidou de nós no passado. Ou seja, como nossos pais nos cuidaram na infância e como esses cuidados se refletem no presente e, consequentemente, nas antevisões de futuro. Freud mostrou que o ser humano constrói romances pessoais baseados em descontentamentos infantis com os pais.
A criança insatisfeita com o cuidado recebido desloca ao longo da vida a frustração para as figuras de autoridade. Algumas crianças ficaram tão insatisfeitas com os pais que constroem a fantasia de que são adotadas, imaginando que os verdadeiros e bons estão por aí, em algum lugar. Fantasiam que existem os pais ideais capazes de cuidar de todas as necessidades — que foram surrupiados por alguma autoridade madrasta.
Assim, ansiedades infantis derivadas de cuidados que não se realizaram como se gostaria, vinganças edípicas, rivalidades fraternais, conflitos emocionais de toda ordem podem estar envolvidos nas dificuldades de lidar com o assunto. Alguém pode achar totalmente justa a forma como foi cuidado na infância? Com frequência, sou questionado pelos pacientes sobre essas ligações. A explicação para elas é bem simples. Eu penso que estou tentando apresentar um significado vivo que possa mostrar algum caminho para tentar pensar de uma forma diferente sobre assuntos cotidianos.
O pensamento psicanalítico cria uma ponte de significados e imagens oníricas que nos liberta da concretude que muitos insistem em manter pelo conservadorismo e pela religiosidade travestida de ideologias. A linguagem para tal exige criação e acolhida de ambos os participantes. Cada ato de criação se opõe a coisas, como a morte, as mentiras, os paradigmas da informação impostos pela mídia, e às disciplinas rigorosas criadas pelos sindicalistas das palavras.
Além disso, permite resistir aos patrulheiros ideológicos que cercam 24 horas com suas argumentações politicamente corretas, histriônicas, tolas, cegas, e, sobretudo, agressivas. O inconsciente sempre está presente para desejar pais onipresentes e onipotentes que supram no futuro os pais ausentes do passado. Mudar a imagem de uma previdência onipresente e onipotente é mexer com o grau de idealização que esses pais da primeira infância têm na mente dos opositores. Trata-se sempre do humano, demasiado humano.