Uma das consequências do desenvolvimento de uma análise é a diminuição das ansiedades e angústias que surgem nesta época do ano. São as famosas expectativas de Natal e as arrependidas resoluções de Ano Novo.
Como psicanalista, sinto-me muito à vontade para, junto com meus “analisandos”, decifrarmos as mitologias por trás das ansiedades e angústias — mitologias que têm raízes na infância pessoal de cada um e também nas remotas origens históricas da humanidade. Essas raízes são as fantasias inconscientes que visam satisfazer desejos, negar perigos, reassegurar-se do amor e reparar danos.
A psicanálise entende os rituais da época como métodos falhos de controle das ansiedades e angústias. Por exemplo, os adultos que vivem um momento histórico no qual, por algum motivo, se sentem de novo como crianças inseguras e abandonadas, querem resolver isso com presentes. Para as crianças, o Natal assegura a fantasia eterna da bondade dos pais. Investigar a fundo essa parte irracional do ser humano não nega os significados racionais; antes, fortalece-os, adequando-os a um conhecimento do mundo e de nós mesmos.
Por exemplo, a racionalidade originária do Natal é trazer de volta o registro do coração e da caridade para com os necessitados. Assim, mais do que uma festa cristã, o Natal tornou-se uma celebração universal de solidariedade. Entretanto, esse significado racional é rompido pela preocupação inconsciente que se abre com o consumo. O fantasma do consumo está sempre assombrando incontáveis cidadãos.
No entanto, existe um fantasma bem pior, o da realidade daqueles milhões de pessoas que se encontram no abandono, no desamor, na guerra e na insegurança de todos os tipos. Não podemos ter um Feliz Natal com isso. Podemos desejar, mas a consciência não nos deixará sentir uma felicidade real — a menos que haja negação.
O abandono e a insegurança atingem não só pessoas como também cidades e nações. Um exemplo de abandono e insegurança é a cidade do Rio de Janeiro; por isso, não podemos, de forma alguma, desejar um Feliz Natal ao prefeito, pois ele é um dos promotores desse abandono ao invés de ser seu curador. Não isentemos os vereadores, sempre prontos para aumentar impostos, que vão alimentar seus gabinetes.
O prefeito e os vereadores não podem ser o único alvo de crítica. Os cidadãos que jogam lixo nas ruas e nas lagoas da cidade, que urinam na rua, durante festejos, que soltam fogos de artifício sem critério, que desrespeitam idosos nos ônibus e metrô, que ligam seu som nas alturas máximas, que fazem de conta que não viram o crime, também contribuíram para que não exista Feliz Natal. Contribuíram para a miséria do abandono.
No plano nacional, dos milhares de exemplo que impedem um Feliz Natal, destaco Suas Excelências, os ministros do Supremo Tribunal Federal, por serem promotores do abandono da Justiça no Brasil, e por todo o sofrimento que causaram ao povo brasileiro, quando depositarem, nas mãos de personalidades vaidosas do Congresso Nacional, a decisão da Segunda Instância, que nos ergueria do rastejo civilizatório. Enquanto isso, criminosos estão soltos e seguros para continuar cometendo crimes.
Voltando ao Rio, não podemos ter um Feliz Natal com essa vaidosa briga de poder que travam a Justiça e o prefeito na interdição da Avenida Niemeyer. Querem melhor retrato de abandono do que essa interdição que nunca se resolve? E a Saúde? Como alguém pode deixar o setor em tal estado? E ainda ter a cara de pau de dizer que é crise fabricada?
Sabem eles, autores do contencioso, o quanto custa a gasolina desperdiçada em engarrafamentos diários? E o tempo de vida das pessoas nas filas de atendimento dos hospitais? Sabem eles o que as famílias poderiam fazer com esse dinheiro queimado nos engarrafamentos e nas despesas que acabam fazendo do próprio bolso para seus entes queridos hospitalizados? Quem sabe algumas dessas pessoas poderiam doar algo no Natal com o valor — mesmo que irrisório — que a sua briga vaidosa e mentirosa levou para a poluição e para o nada.
Contudo, perguntas como essas não terão jamais respostas de pessoas que não respeitam a verdade e a vida. O discurso do prefeito, totalmente desprovido de emoção humana, mostra-o como uma pessoa, no mínimo, sem compaixão. Não desejo entrar na seara da psicopatologia, pois acredito que todos sabemos qual é sem precisar nomear.
Certamente, esses senhores da Prefeitura e do Judiciário não vão deixar de comprar tudo que querem para presentear os seus. Vão comer e se empanturrar à vontade, e rir da nossa cara de otários pagadores de impostos sem a contrapartida do respeito e dos serviços que em troca nos são devidos.
Mas aos demais desejo que, sinceramente, façam algo para alguém, mesmo que um simples “bom dia” no elevador.