Em 1929, Freud escreveu sobre a civilização: “Somos organizados de tal modo que só podemos desfrutar intensamente o contraste, e muito pouco do estável”. Como respaldo à sua tese, ele cita Goethe: “Tudo se suporta nesta vida, menos uma sucessão de belos dias”. Logo em seguida, contrariando a própria tese (e a do poeta), diz que “talvez isso seja um exagero”. Num momento de reflexão algo irônica, ocorreu-me que Freud não imaginava que existiria um país como o Brasil. Aqui, ele veria que não se trata de nenhum exagero quando o assunto é a política, a educação, os dirigentes e a suprema corte.
Não há um só dia em que o Febeapa (Festival de besteiras que assola o país), sigla criada pelo saudoso Stanislaw Ponte Preta, não mostre as mais variadas peças exemplares para estragar o nosso dia. Incontáveis pessoas acham que isso acontece a partir do presente governo, focando a origem do desprazer no Presidente Bolsonaro e seu método antifisiológico de evitar a poluição (dentre muitas outras medidas similares). Mas sejamos justos: o Febeapa vem de longuíssima data. O problema é que declarações infelizes fazem a felicidade dos ideólogos de plantão. E aí começa um mar de crueldades.
Em geral, coisas que são ditas sem pensar — não apenas no vernáculo presidencial — acabam com qualquer “sucessão de belos dias” e nos deixam a apreciar (se é que podemos usar essa palavra) gafes infindas e expressões contrastantes com o cargo. Sarney falava “muderno” e se julgava “escritor”; Collor orgulhava-se do seu “saco roxo”; Lula via mulheres de “grelo duro” e “submissas por amor”; Dilma, em suas constantes inconsistências lógicas, “estocava vento” e “saudava a mandioca”. O atual presidente não é nenhuma aberração nesse universo de comédia.
Contudo, Freud mostrou também que a comédia é uma das medidas para esconder o trágico e o assustador. Longe de atenuar a frase de Goethe, Freud disse que nós, seres humanos, sofremos e, durante o tempo de nossa vida, alguma coisa trágica sempre nos acossa com ameaças ao nosso bem-estar. Ele listou três dessas ameaças: o descontrole da natureza, a fragilidade do corpo e a insuficiência da lei para impedir o crime.
A guerra declarada ao mal-estar humano é travada nessas três frentes. O que muda são as variações desses temas, sempre relacionados com algum tipo de devastação, seja ela da Amazônia, da Avenida Niemeyer ou da linguagem. Elas são produto do que Freud chamou capacidade destrutiva do ser humano para acabar com o estável e culpar alguém pelo que acontece no presente, como se não houvesse uma história antecedendo os atos e as palavras.
Atacar alguém sem indulgência, por ressentimento ideológico, por falta de espírito democrático em aceitar a alternância no poder, por pura provocação raivosa em nome de um esteticismo ideológico melancólico — não importa se de esquerda ou direita —, é um erro grave de pensamento, uma expressão de política vil para falsificar o trágico, e um atestado de fracasso ético.
Privilegiar o palavrório ruim da comédia — como a imprensa militante em geral está fazendo —, em detrimento do verdadeiro insulto à inteligência humana causado pela miséria do povo (ética, habitacional, educacional, amorosa e financeira), a corrupção cínica, a queima irresponsável da Economia em nome de populismos delirantes, o autoritarismo togado, e o afundamento da Cultura em geral, é assumir o papel de desinformador vil, contribuindo cruelmente, ainda mais, para a perda da esperança e da confiança no futuro.