“Ghosting” é um termo em inglês muito usado atualmente, quando uma pessoa, sem nenhum tipo de explicação, deixa de responder às mensagens e/ou ligações de outra. Isso acontece, geralmente, no início de um relacionamento romântico. Não por acaso, o termo vem de “fantasma”, uma via de acesso à fantasia e às cenas produzidas no nosso mundo imaginário. Trata-se de versão mais radical do velho “perdido”, aquele sumiço inesperado que nos deixa a ver navios, ou melhor, a ver fantasmas…
Quem nunca foi autor ou vítima de um perdido num bloco de carnaval de rua? Acontece em toda parte. Na Bahia, o nome do fantasma é “Zignow” (“dar o drible”) e deve ser falada em língua estrangeira para desavergonhar os fujões ou fujonas. O que o “ghosting” traz de novidade é que agora eles ou elas escapam pelas vielas de “bytes”. E mesmo que possam ser facilmente mapeados, podem fazer bloqueios. E como sofremos por sermos excluídos!…
É certo que a tecnologia dos aplicativos de relacionamento e das redes sociais facilitou muito a fuga. Eliminam, em parte, o constrangimento do término cara a cara, da negativa “na lata” e, assim, com a temível rejeição, o que traz a ilusão de que os sumidos escaparam ilesos de qualquer tipo de responsabilidade e consequências sobre as sensações, sentimentos e expectativas que acionaram na outra pessoa.
A bem da verdade, o “ghost” só existe porque existe o outro — e um não existe sem o outro. No entanto, fato é que ninguém escapa do desejo. Houve um interesse mútuo, mas um deles não sustentou esse desejo; então, o que foi abandonado nomina-o de “fantasma”. Como disse o filósofo francês Roland Barthes, ”ninguém tem vontade de falar de amor se não for para alguém”. Então, para começo de conversa, o “ghosting” significaria um fracasso do amor? Segundo Barthes, ao longo de uma vida, todos os “fracassos” do amor se parecem. Quando atiçamos alguém, investindo nossa libido, mexemos nessa economia erótica. E, assim, fazemos um login nas pulsões.
Um som “dopamínico” te alerta que uma mensagem nova chegou e, só por saber que a pessoa desejada está on-line, isso te faz tremer… Aí, todo cuidado é pouco! A seguir, vem um corte abrupto, que pode doer tal como um golpe narcísico que nos deixa frágeis diante do desamparo da castração. Contudo, devemos esperar receber um aviso prévio do fim de uma paquera, como se tal fosse um contrato amoroso? Seria possível receber feedback do fantasma?
Talvez, sim. Sobretudo àqueles que têm um excesso de demanda por respostas, se possível instantâneas, ao menos. Isso os tiraria da loucura da dúvida, mesmo que a resposta seja fake news. E para o sumido ghost, este sim, perde a oportunidade de se apropriar do seu próprio “não”, fragilizando, ainda mais, os laços emocionais e sociais tão necessários para vencermos nossas guerras pessoais.
Na pandemia, estamos mais isolados, distanciados, solitários e mais carentes de contato, afeto ou sexo (e isso pode incluir solteiros e casados). Em dias que se repetem, sem novidades, somos mais atraídos pelas boas conversas e namoros virtuais. Para manter o humor e a boa saúde psíquica, o ser humano precisa de movimento entre prazer e desprazer, da oscilação entre ausência e presença.
Será o “ghosting” uma exaltação ao narcisismo? Ele põe fim à relação antes mesmo do seu início. Basta saber que alguém está lhe “querendo”; assim, testa e confirma sua capacidade de sedução. Ou, simplesmente, esbarra numa corrente ideológica a ele intransponível e, de fininho, desaparece?
Outros podem ter medo de uma relação amorosa e preferirem o amor na teoria à deliciosa prática. Alguns, porém, tenho certeza, escapam de forma insensata daqueles cujo excesso compulsivo de presença afasta-os. Muito mais perigoso é o stalking, a presença obsessiva que persegue, apavora e que é agora crime.
Um sumiço na vida pode até ter sua graça, mas a prática de “ghosting” como padrão não tem graça alguma. Ela é também uma forma de manipulação. Tem ghost que, depois de longo sumiço, faz uma breve reaparição para, em seguida, sumir de novo. E assim brincam os pobres mortais.
Em todo caso, minha indicação é o divã; afinal, temos todos nossos fantasmas.
Lorena Coutinho é psicanalista, integrante da Letra Freudiana, pós-graduada em Teoria Psicanalítica e especialista em gestão estratégica de pessoas.