Para agravar o inferno, contrariando Johnny Alf (“Ah! Se a juventude que essa brisa canta/Ficasse aqui comigo mais um pouco…”), a Ipanema que era só felicidade foi cercada por uma barreira de concreto e vidro fumê que hoje só perde para Camboriú, nosso Balneário Godzilla. Aprisionada pelo monstro, a brisa não canta, a brisa não sopra. Não nada. Nem mais se vê um cantinho de céu e o Redentor.
Ligar, ao mesmo tempo, ar-condicionado, ventilador, liquidificador e qualquer outro utensílio doméstico que produza circulação de ar; só deixar o cafofo em casos extremos, como velório (do próprio), incêndio ou despejo. Essas, as orientações da Defesa Civil a quem se quedar por aqui na estação.
O asfalto movediço derrete as havaianas, a areia escaldante torra a sola dos pés, os raios de sol esturricam o couro cabeludo e os miolos. A travessia entre o calçadão e o mar se torna uma espécie de Firewalking, o milenar ritual de caminhar sobre as lavas do vulcão Kilauea. Que o Havaí seja aqui.
A voz de Marina anuncia: “Vem chegando o verão, um calor no coração”. E provoca: “Essa noite, eu quero te ter; toda se ardendo só pra mim”, como se houvesse algo de romântico em namorar lambuzado de Caladryl e ficar despelando a testa com as unhas, até deixá-la em carne viva.
Sem essa de “todas de bundinha de fora”. Impera o popozão siliconado reduzindo os biquínis à real espessura de um fio dental. Buços e virilhas cobertos por água oxigenada volume 20. Pelos pubianos versão Neymar. Desde que deixou o Santos, Neymar não está pra peixe.
Cadê a bossa nova para embalar as ondas? O bluetooth mixa funk com sofrência na cacofonia das party boxes. Os tatuís se enterram. O sol não se põe: foge envergonhado pelo rastro de latões de cerveja, garrafas pet e quentinhas de papel laminado. Há restos de yakisoba para todos os gostos. Saudades da vitrolinha, da farofa e da galinha cantadas pelo Ultraje a Rigor. Mais: do biscoito Globo e do mate Leão.
Quem não curte um praião desses parte para o interior, em busca de sombra e água fresca. Mete uma mochila nas costas e se chapa nas chapadas, para postar uma live daquela queda d’água ultrassecreta que se chama Véu de Noiva e é trend topic no TripAdvisor.
Assistido por um coach de dreadlock, você procura conciliar a atividade física com a espiritualidade, o misticismo. A imersão na natureza exuberante infesta seu corpo de mutucas, muriçocas e micuins. É a descoberta de que, ao invés do repelente, você trouxe o protetor solar (as embalagens enganam mesmo).
Para livrar sua mente da aracnofobia, da ofidiofobia e de outras paranoias, não pode faltar a energizante meditação sob uma cascata. Mas cachoeiras não produzem energia — o nome disso é hidroelétrica.
A quilômetros, uma cabeça d’água avança silenciosa e rapidamente. Não há tempo para nada, e há limo nas pedras. Além de fazer você se esborrachar, a torrente arrasta a cesta com o pão integral, a granola, o mel e a kombucha. O celular também dança.
Faminto, você vai ter que se envenenar com Plus-Vita, margarina Qualy e refri Tobi na única birosca da área. Mas como fazer o pix?
Nova tentativa no litoral: a outrora paradisíaca Armação dos Búzios é agora uma armadilha. Após duas horas engarrafado no retão de Geribá, você chega à balada da Rua das Pedras, tomada por milhares de argentinos festejando Messi.
Helinho Saboya é advogado.