Vivemos tempos em que não confiar é quase um padrão: para 59% das pessoas, a regra é desconfiar até que se prove o contrário. Estamos vivendo um ciclo de desconfiança; essa foi a conclusão do Edelman Trust Barometer 2022. A pesquisa foi realizada em novembro do ano passado, em 28 países, com mais de 36 mil arguídos, numa amostra mínima de 1.150 entrevistas em cada país, entre os quais, as principais economias do mundo, com Brasil na amostra, ou seja, uma pesquisa robusta.
Pensemos mais: a desconfiança é gasolina para a polarização da sociedade. A polarização acontece quando a gente se coloca dentro de grupos que se fecham em pautas e convicções, sem abertura para o diálogo; afinal, quem pensa diferente é inimigo. Enquanto nos fechamos em guerra pela alma da nação, passa boi, passa boiada. Quem poderia ajudar a mediar esse momento de desconfiança geral para que a nossa sociedade não paralise e siga em frente? Os governos? A mídia? O terceiro setor? As empresas? O que você acha?
Ainda, nos resultados da mesma pesquisa, a percepção das pessoas é que os governos e a mídia trabalham mais para dividir a sociedade, o que vai pressionando as empresas e o terceiro setor a ampliar seu escopo: 55% esperam que as empresas liderem sobre a emergência climática e humanitária, e 65%, que elas executem com sucesso planos e estratégias que gerem resultados efetivos. Em resumo, a sociedade espera que as empresas sejam agentes efetivos da regeneração socioambiental urgente.
Mas esse crédito não é um cheque em branco: 69% dos pesquisados entendem que o setor privado não está indo bem na solução para a mudança climática tampouco na resposta à pandemia, criticada por 57% na forma como vem sendo conduzida. Estamos de olho. Liderar a transformação social e ambiental passa a ser um “business” central em todo e qualquer negócio, em nossa sociedade. Entendem por que ESG não é moda nem papo? A sociedade quer a lógica da eficiência e da efetividade aplicada, imediatamente, na solução dos problemas que a afligem. E quer apoiar isso com suas escolhas de consumo, cada vez mais conscientes e bem informadas. Consumo é voto.
Segundo o Radar da Antifragilidade, para prosperar nesse contexto, além de um propósito bem delimitado, os negócios e marcas precisam declarar seu posicionamento ideológico e também sua contribuição efetiva sobre as questões prioritárias da sociedade. A famosa estratégia de neutralidade não existe mais, pois, quando nos isentamos de algo, estamos fazendo uma escolha com base em pressupostos e ideias prévias, ou até consentindo com situações inaceitáveis no contexto atual. É importante assumir um posicionamento perante temáticas, como vacina, equidade de gênero, diversidade, gap de salários, bem como aspectos ambientais, econômicos, políticos e tantos outros levantados atualmente para os líderes, seus negócios e marcas. Em tempo, segundo o Edelman Trust Barometer, para 81% das pessoas, os CEOs devem ser a cara dessa mudança e falar publicamente sobre questões de interesse geral, ainda que controversas. Em síntese, a sociedade quer mais liderança empresarial, não menos.
Portanto, ter um posicionamento claro para si e também comunicar isso amplamente, para dentro e para fora da empresa, transmitirá confiança aos “stakeholders”. Todos saberão com quem estão lidando, o que esperar de você, quais são suas ideias ou iniciativas diante dos desafios do mundo. Consequentemente, passa-se também a sentir mais segurança nas suas decisões, e estas estarão melhor apoiadas pelos seus públicos de interesse. Assim, você pode se direcionar para ações afirmativas, tornando-se protagonista das mudanças que você deseja ver e compartilhando-as com as pessoas à sua volta. Ficar em cima do muro é colocar-se em um lugar de fragilidade. Por muito tempo, achou-se que o bom era agir assim, mas não é. Descer do muro é preciso.
Foto: Henrik Hoff (@_henrikhoff)
Erlana Castro é coautora do @radardaantifragilidade, speaker do SXSW 2022 (festival de criatividade e inovação), pesquisadora independente e professora convidada da FDC. O Radar da Antifragilidade é uma ferramenta de inovação em ESG cocriada por Erlana, Sabina Deweik e Tipiti Barros.