O Dicionário das Tristezas Obscuras é uma criação do escritor e artista plástico John Koenig. Contém palavras inventadas por ele para nomear sensações ainda virgens do contato com a linguagem.
Como “adronitis”, a frustração com o tempo que é necessário para se conhecer bem uma pessoa.
E como se chamará a consciência de que jamais chegaremos a conhecer alguém, por inteiro?
E “anchorage”, o desejo de segurar o tempo enquanto ele passa.
Como se chamará a constatação, súbita, de que o tempo é fixo, inerte, e somos nós que passamos por ele?
E “anemoia”, a nostalgia de um tempo que nunca vivemos.
Como se chamará a nostalgia de um tempo que sequer soubemos que existiu?
E “avenoir”, o desejo de que as memórias fluíssem da frente para trás.
Como se chamará o devaneio de que alguma coisa ou alguém possa estar sempre no aqui e no agora, e jamais chegar a ser memória?
E “ellipsism”, a tristeza por não ser capaz de saber como uma história vai terminar.
Como se chamará a esperança vã de que uma história que já terminou nunca termine?
E “kenopsia”, a atmosfera misteriosa e desamparada de um lugar que normalmente está cheio de gente, mas que agora está abandonado e quieto.
Como se chamará a sensação de ser a única pessoa nesse lugar absolutamente vazio — vazio inclusive de si mesmo?
E “keta”, quando uma cena de um passado distante surge inexplicavelmente na sua mente.
Como se chamará o momento em que a cena que se desenrola diante dos seus olhos neste instante parece pertencer a um tempo paralelo, sem passado ou futuro, e tampouco sem presente?
E “lapyear”, a idade em que você se torna mais velho do que seus pais eram quando você nasceu.
Como se chamará a idade em que você descobre que um dia seus pais tiveram medo do escuro, da solidão, do desamparo?
E “nodus tollens”, o dar-se conta de que o roteiro da sua vida já não faz sentido.
Como se chamará o dar-se conta de que nunca houve roteiro algum?
E “onism”, a frustração de estar preso em apenas um corpo, que habita apenas um lugar por vez.
Como se chamará o regozijo de saber-se pertencente a mais de um corpo, e de ter estado desde sempre em todos os lugares?
E “scabulous”, o sentir orgulho de uma cicatriz, sabê-la um autógrafo dado a você pelo mundo.
Como se chamará o saber-se a própria cicatriz, porque só o que está vivo cicatriza?
E “zenosyne”, a sensação de que o tempo está passando cada vez mais rápido.
Como se chamará a percepção de que o “anchorage” — aquele desejo de que o tempo ancore em algum lugar – foi substituído pela ânsia de que ele prossiga à deriva, e que quem ancore seja você?
(Sexta-feira, 27 de maio de 2022, dia da morte da minha mãe)