Quando se chega ao Rio, vindo do interior, ou de uma capital mais provinciana (todas as outras capitais são provincianas se comparadas ao Rio), a sensação que se tem é de ter entrado num “A rosa púrpura do Cairo”.
Aqui, o Pão de Açúcar é em 3D, o Cristo Redentor é de carne e osso (ok, de concreto e pedra sabão, mas “de carne e osso” quer dizer que é real, palpável), Copacabana é quase um lugar comum, há garotas de Ipanema aos milhares.
Quem nasceu no Rio não faz ideia do que seja estar diante, pela primeira vez, do Copacabana Palace, do Maracanã, do Theatro Municipal, de uma favela, da enseada de Botafogo, da igreja da Penha.
São lugares que, antes de se materializar, já existiam, idealizados, no imaginário.
Ok, o Maracanã não tem geraldinos desdentados com radinhos colados à orelha, como no Canal 100. Não ecoa bossa nova pelas ondas de pedra portuguesa da Avenida Atlântica. O Cristo é dez vezes menor que o previsto. Mas quem liga? A vontade é inspirar profundamente a maresia e disparar cartões postais a todos os amigos, parentes, conhecidos — Ei, você, que vive aí no mundo real: estou no Rio!
Na volta, depois da inevitável declaração (“Deshcashquei ash coshtash”), que prova que você veio meshmo ao Rio, vem a indefectível pergunta: Conheceu algum artista?
O Rio é um lugar tão “superiormente interessante” que os artistas (daí a evocação da “Rosa púrpura do Cairo” no primeiro parágrafo) saem das telas da tevê e do cinema, e ganham as ruas. Se você for aos lugares certos (e você fará questão de ir aos lugares certos) esbarrará com alguém que, assim como o Corcovado ou a Pedra da Gávea, parecia existir só na ficção.
Foi essa a sensação ao caminhar pela rua onde morava o Drummond, subir ao escritório do Niemeyer, entrar no Parque Lage onde um dia filmou Gláuber Rocha, sentar na areia a um metro da Beth Faria, dar passagem à Lucélia Santos no shopping, virar motivo de piada da Ângela Leal (sentada no meu colo, no Rival), roçar cotovelo com Marieta Severo na poltrona ao lado no teatro, trombar o carrinho no da Irene Ravache no mercado.
Claro, não falei com nenhum desses (só com o Niemeyer), mas, ainda assim, estar no Rio era passar da plateia para o palco – pouco importando que sem fala alguma, sem nome no cartaz.
A rede social recria essa sensação, virtualmente. Os seis graus de separação aqui são um grau e meio, ou meio grau. Como carioca no elevador, você se sente autorizado a participar das conversas alheias e, quando vê, olha lá você “amigo” daquelas pessoas que sempre admirou à distância, cujos livros leu, cujas colunas no jornal acompanha, cujos discos foram sua trilha sonora.
A rede social é um grande Rio de Janeiro. Com arrastão e bala perdida, mas também com a inenarrável sensação de estar na mesa ao lado do Flavio Migliaccio, o Xerife da sua infância; de escrever sobre a Paula Toller e ser plausível que ela leia. Com a diferença de que a rede social é real — e o Rio de Janeiro continuará sendo, sempre, uma ilusão.
Ilustração: Sydney Michelette Jr.