Meu nome completo é Antonia Mindlin Leite Barbosa e, apesar de usar profissionalmente o sobrenome do meu pai, assisto consternada a uma guerra em um território por mim desconhecido, mas ao mesmo tempo muito familiar.
Meus bisavós maternos eram os ucranianos Ephim Henrique e Fanny Mindlin. Nasceram em Odessa, cidade costeira da Ucrânia. Os sobrenomes judeus, na época, vinham das mulheres (“Mindlin” deriva de “Mina”), pois eram elas que sustentavam as famílias e eram mais conhecidas na sociedade. Os homens, por sua vez, quando bem-sucedidos, ficavam estudando.
Ephim e Fanny já tinham sido namorados mas saíram de Odessa por volta de 1905 separadamente, solteiros, quando a Rússia já vivia seus anos tenebrosos de intolerância religiosa, muito antes de o Nazismo se instaurar na Europa. Ele foi para Paris, ela para a Suíça; depois os dois por força do destino se reencontraram nos EUA. Vieram para o Brasil em 1910, com minha bisavó Fanny já grávida do meu avô Henrique. Tiveram mais três filhos, entre eles o bibliófilo e imortal José Mindlin, e se instalaram em São Paulo.
Odessa, com hoje cerca de 120 mil habitantes, é uma cidade portuária localizada ao sul do país, beirando o Mar Negro, considerada a mais charmosa da Ucrânia e tendo posição estratégica para os militares russos. Segundo cobertura da imprensa internacional, foi uma das primeiras cidades bombardeadas em 24 de fevereiro, no início de investida de Putin na disputa por território.
Imagens de bombardeios, soldados russos tomando aeroportos e fechando o espaço aéreo e a escalada desta crise geopolítica mobilizam o mundo no maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial, há 80 anos. Já são centenas de soldados e civis mortos e feridos nos ataques.
O passado da minha família vive hoje mais uma invasão. Possivelmente, até alguns descendentes de familiares que desconheço por conta da ruptura que aconteceu em 1905, podem estar esta noite em algum local da Ucrânia, vivendo momentos de terror e desamparo.
A mensagem de Putin ao mundo é clara: não se metam, pois verão do que sou capaz. Além da demonstração de poderio bélico, paira a ameaça de uma guerra nuclear. Ele seria capaz de apertar o botão?
Ninguém deveria querer uma guerra, muito menos um mundo ainda passando por uma pandemia e todas as dificuldades econômicas que ela trouxe para muitos. As consequências serão globais. O mercado financeiro já reage com fortes quedas das bolsas, o rublo derrete, a inflação é questão de tempo, está em jogo a integração econômica mundial. Potências mundiais ficarão somente aumentando sanções econômicas e ajudando territórios vizinhos à Ucrânia, que fazem parte da OTAN, enquanto assistem, de braços cruzados, a jovens ucranianos no TIKTOK, ao vivo, transmitindo o terror?
Desde o Vietnam, a primeira guerra televisionada, passando pela guerra no Afeganistão e Síria, será possível simplesmente como cidadão do mundo ser mero espectador dessa dor?
Sabemos que toda grande guerra começa com a invasão de território democrático por um regime autocrático. Parece algo distante, localizado e, de repente, toma proporções inimagináveis. No mundo atual, globalizado, hiperconectado, essa escalada pode ser ainda mais rápida. Mesmo assim, continuamos sendo a humanidade que não aprende com os erros passados e põe em risco o futuro das próximas gerações.
Antonia Leite Barbosa é jornalista autora da Agenda Carioca.