Elena Korpusenko é ucraniana, tem 41 anos, nasceu em Kiev e mora no Rio desde 2007, quando se casou com um brasileiro, de quem atualmente está separada, mas segue vivendo em Ipanema, onde faz esportes, maratonas e kitesurf. A cidade parece se abrir pra ela, onde criou muitos laços, puxados pelos inúmeros amigos.
Com mestrado pela Universidade Federal de Economia da Ucrânia e MBA em Marketing pela Coppead RJ, essa executiva de Marketing, ex-presidente da Comissão de Comunicação da Federação Nacional de Capitalização (Fenacap), visita sua família com frequência.
Elena continua acompanhando a guerra à distância, fala com pai, mãe, irmãos e sobrinhos a cada três horas. E diz: “Minha família está em abrigos em situações desesperadoras”.
Como está seu coração, sendo uma ucraniana longe de casa?
É um grande choque porque a Ucrânia é um país que fica no centro da Europa, e uma invasão dessas, em pleno século XXI, é uma coisa inacreditável. Obviamente, o coração está apertado mas todo mundo se ajuda com munição, doação; os ucranianos estão lutando sozinhos contra um país enorme. São garotos que morrem lutando e têm várias pessoas na Rússia que não apoiam a guerra do Putin porque essa guerra é dele. As pessoas sofreram lavagem cerebral do Putin, então não existe democracia e muita gente não sabe o que está acontecendo.
Há quanto tempo e por que você deixou a Ucrânia?
Moro no Rio há quase 16 anos, fui casada com um brasileiro e por isso me mudei. Vivo e trabalho no Rio, com marketing e publicidade. Acho que o Brasil é um país incrível. Aqui é minha segunda casa.
Você tem família no país? Qual o perfil e como estão sobrevivendo?
Toda minha família está em Kiev. Eu sou de lá, meu pai, três irmãos e primos, todos com seus filhos. Todos eles estão em diferentes partes de Kiev, se escondendo em abrigos e bunkers. Quando têm menos bombardeios, eles podem sair para comprar comida, remédios, mas, assim que as sirenes soam, depois das 18h, todo mundo volta para os abrigos antibombas. O meu coração chora porque tudo que os canais oficiais do governo ucraniano mostram é verdade e não tem nada de exagerado. Os canais russos mostram tanto absurdo, tanta mentira, que têm pessoas que não sabem no que acreditar, mas os militares russos realmente atiram nas pessoas civis. Isso é inaceitável.
Como se sente, estando longe das pessoas que mais ama exatamente neste momento?
Nesse momento tão difícil, é complicado, mas tenho vários contatos que ajudam a minha família e outras, também. A união dos ucranianos nessa situação é uma coisa muito linda e forte. Todo mundo ajuda, e até dinheiro as pessoas emprestam entre si e, no que podem, ajudam ao exército ucraniano. Todo mundo está na luta, e ninguém vai entregar o país, mas obviamente isso custa vidas, a maioria, jovens, mas ninguém vai baixar a cabeça porque não tem saída, não tem como se entregar ao Putin. Os russos estão vivendo com um ditador sangrento, como se ainda estivesse na época da União Soviética. Não tem informação correta sobre nada, são manipulados pela política populista do Putin, e eles nem sabem que está acontecendo uma guerra, apenas uma operação especial na Ucrânia, e isso é mentira. (Em coletiva de imprensa na quinta, 03/03, o encarregado de negócios da embaixada da Ucrânia, Anatoliy Tkach, afirmou que as tropas russas se mostraram confusas quanto ao objetivo de Moscou com a ação militar e que ‘todos eles dizem a mesma coisa, eles não sabem o que estão fazendo na Ucrânia’).
Vocês se comunicam com que frequência, você vem passando por momentos de desespero?
A gente se comunica toda hora. Graças a Deus, que todos os meios de comunicação estão funcionando, por mais que os russos estejam bombardeando os centros de informação em Kiev. A minha irmã mora perto de uma estação de TV central que foi bombardeada, e vários canais ficaram sem comunicação por algumas horas. É exatamente isso que os russos querem, mas está funcionando, e o governo é extremamente eficiente. O prefeito de Kiev (Vitaliy Klitschko) é incrível e consegue organizar os serviços de apoio incrivelmente bem. Já tive dois ataques de nervos, mas não tenho o direito de mostrar fraqueza, pelo contrário, tenho que ajudá-los a passar por essa situação. Quando eu desligo o telefone, só tenho vontade de chorar. É uma sensação de desespero porque ninguém sabe aonde isso vai; o Putin é completamente louco. Ninguém sabe se ele vai apartar ou não o botão vermelho ou até onde ele está disposto a ir. A Rússia é um país muito potente, e essa guerra pode levar meses, anos, mesmo com as sanções, porque o poder de fogo dos russos é alto e a Ucrânia é muito pequena e, mesmo com ajuda do mundo todo, é difícil resistir a uma máquina militar como a Rússia. (A Rússia tem sofrido sanções de diversos países do Ocidente, como a interrupção de vários serviços de empresas como a Apple, Spotify e Paypal, o congelamento de reservas cambiais do Banco Central da Rússia, a proibição de aviões russos de usar o espaço aéreo europeu e britânico e assim vai).
O que a sua família conta corresponde com o que vem sendo mostrado na TV?
O que é mostrado na Ucrânia é tudo verdade porque somos um país democrático. Já a TV russa mostra outra realidade — como já disse, tem russo que não sabe nem que está tendo guerra. Está sendo falado que invadiram como missão pacífica, mas estão matando civis. Têm russos que também não sabem que os filhos estão na guerra, mas em missão perto da Ucrânia, morrendo. Todos nós estamos pedindo ao mundo para que essas informações cheguem à Rússia. Tenho amigos lá e eles me contam o que está sendo mostrado pra eles, ou seja, nada real.
Como você avalia as atitudes do Zelensky?
Durante muito tempo, desde que ele foi eleito, muita gente brincou com o fato de ser um ator e comediante sem experiência política. Ele chegou ao poder numa situação em que não tinha escolha porque todos os outros candidatos tinham ligações com a corrupção; então os ucranianos elegeram um presidente novo e extremamente inteligente. A Ucrânia não é fácil, temos uma economia devastada pelos oito anos em guerra (a Ucrânia perdeu a Crimeia no início de 2014, depois que a Rússia anexou o território, deixando mais de 13 mil mortos) e nunca foi fácil, mas, quando chegou essa situação, ele se mostrou uma pessoa incrível, não quis fugir, nem se esconder e se comunica o tempo todo, dando apoio. Ele se transformou num enorme gestor de crises e, de comediante, tornou-se um grande político. Depois que isso tudo passar vai ser uma outra etapa, mas agora ele é uma pessoa que acredita em seu país e dá todo suporte a seu povo. É um orgulho.
Qual o pior momento e “o melhor” até aqui?
O pior momento foi quando eu acordei com a notícia sobre o início da invasão, com a minha família me comunicando que começou a guerra. A gente não conseguia acreditar que pudesse ser verdade, até escutarmos uma explosão de bomba e ver as imagens de lá. E o melhor momento é quando eu ligo de três em três horas; nossa combinação é essa, para saber se eles estão bem e vivos (embarga a voz). A gente combinou estar em contato nesse intervalo e, se alguma coisa acontecer, eles mandam mensagens, seja sobre algum bombardeio próximo ou algo parecido, eu fico sabendo direto deles. Por fim, quero pedir aos brasileiros, amigos e pessoas para ajudar os ucranianos no que puderem.
Aqui, link para quem quiser ajudar a Ucrânia: (https://ain.capital/2022/02/27/how-to-support-ukraine-right-now-the-list-of-organizations-where-foreigners-can-donate%ef%bf%bc/)