
Da esquerda para a direita (em ordem alfabética): Fernanda Abreu, Kika Gama Lobo, Mario Moscagelli, Nélida Piñon, Nelson Sargento, Pedro Salomão, Roberto Medina e Ruy Castro /Fotos: Arquivo site Lu Lacerda
Já tentou dar os últimos mergulhos em alguma praia carioca? Certamente, quase precisou de senha por uma nesga na areia. Para este ano, a previsão é de público recorde na festa da virada em Copacabana: 2,8 milhões de pessoas. Ganha todo mundo, mais ainda os turistas: pela convivência com o carioca e seu estilo de vida, que não existe em nenhum outro lugar do mundo. É ou não é?
E nos faz pensar: imagina se o meu, o seu, o nosso Rio não estivesse destruído pela corrupção e pela incompetência? A coluna reproduz aqui frases de entrevistas de alguns personagens, em 2019, que sofrem e amam a cidade na mesma proporção, falando sobre temas relacionados, metendo o pau nos políticos, mas sempre tentando achar uma solução.
Fernanda Abreu
Em maio, a cantora Fernanda Abreu foi uma das 37.973 pessoas a serem pegas pela fêmea do mosquito Aedes Aegypti, com o vírus da chicungunha, somente em 2019. E num ano produtivo para a artista: ela rodou com a turnê “Amor Geral”, participou do Rock in Rio em homenagem aos 30 anos do funk e participou da “Dança dos Famosos”, no “Domingão do Faustão”. Em 2020, ela também comemora 30 anos de carreira, com planos de uma turnê com muita saúde e suingue! Conhecida por ser o rosto do Rio, nesse meio tempo, ela fez um paralelo entre a doença e a cidade: “Estamos vivendo um dos piores momentos do Rio. Vemos a cidade totalmente abandonada em todas as áreas, viadutos caindo, despreparo e falta de investimento em áreas fundamentais, como saúde, educação, transporte, moradia, saneamento básico, infraestrutura, tudo! Veja o que passamos nessas chuvas, em Muzema, nessas epidemias de chicungunha e dengue. Uma loucura! Acho um pecado uma cidade espetacular como o Rio estar passando por isso. Uma lástima!”
Kika Gama Lobo
Kika Gama Lobo é a imagem da carioca que se vira, em tudo, das emoções aos boletos. Foi assessora de imprensa, atuando por 30 anos com atendimento aos clientes franceses no Rio. Só na Louis Vuitton, atuou 17 anos. Hoje, trabalha com o comercial da área de Comunicação de algumas agências, além de tocar seu projeto pessoal mais cheio de propósito (perdão pela palavra tão cansada): o canal de YouTube Atitude50.
Apaixonada pela cidade, ela é daquelas que denunciam, fazem barulho e não dão chance para o mimimi. “Chega de esperar um dia melhorar. Quero campanhas de incentivo a bons modos. Ao invés de cantar o hino, quero obrigação para todos jogarem lixo no lixo; quero moradores agentes. Eu quero um líder para novos e bons combates. O Rio tá uma merda. Irmãs no Leme (que morreram no deslizamento do Morro da Babilônia). Homens boiando. Carros soterrados. Mar de lama. Mar de merda (sobre as enchentes que aconteceram entre março e abril)”, disse na época. “Eu quero outro prefeito. Eu quero outro governador. Eu quero uma nova cidade. Estou de luto total. Eu quero mais cidadania. Eu quero moradores mais conscientes. Eu quero uma revolução de protocolos. Quero paz, saúde, educação… Não quero aplaudir pôr do sol. Fora todos que não somam. Pagar de evangélico e fazer o egípcio para tudo o que é humano e urgente é crime religioso. Devia usar sua fé para compartilhar, e não para assustar a população com suas trapalhadas”.
Mario Moscatelli
O biólogo Mario Moscatelli, nosso colunista no site, já esteve com o coração apertado inúmeras vezes, nesses mais de 30 anos dedicados ao meio ambiente: já foi ameaçado e até meio “invisível” aos olhos de alguns governantes. Ele até previu os desabamentos do Muzema, na Zona Oeste (em abril), ainda em 2014, quando sobrevoava a área, trabalho que faz há 20 anos, através do projeto “Olho Verde”. Ele é daqueles que fazem pelo Rio: presidente do Instituto Manguezal, ajudou a recuperar 2 milhões de metros quadrados de manguezais na Baía de Guanabara, da Ilha Grande, Lagoa Rodrigo de Freitas e Sistema Lagunar de Jacarepaguá. Mas o carioca está pessimista depois das sucessivas tragédias: “Estamos apenas no início da resposta da natureza por décadas de descaso”, disse ele.
Com tanto amor à natureza e tudo o que ela oferece, ficou arrasado com as queimadas na Amazônia, que, no mês de agosto, registrou um aumento de 196% dos focos de incêndio em relação ao mesmo período no ano anterior, segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mario traçou um paralelo entre a Amazônia e o Rio:
“O Planeta é um só. Tudo que afeta um ou mais dos grandes sistemas planetários que funcionam como sistemas integrados de homeostase (equilíbrio) tem consequências que, muitas das vezes, nem mesmo o mais potente dos computadores pode prever a resposta; afinal, são alguns bilhões de anos de tentativa e erro para a produção do que vemos hoje.
O Rio é a Amazônia, pois, por aqui, no campo urbano-ambiental, nossa cidade historicamente é o exemplo de tudo que não se deve fazer com um ambiente naturalmente belo e vulnerável. Década após década, como na Amazônia, os problemas, por aqui, são praticamente os mesmos: falta de saneamento, crescimento urbano desordenado, degradação dos ativos econômico-ambientais da cidade — nada muda. Sai e entra governo, e praticamente nada se resolve estruturalmente. Temos eventos megalomaníacos que não trazem nenhum benefício ambiental para lagoas, rios e baías. Mesmo assim, eleição após eleição, com as mesmas caras ou com caras diferentes, os erros se repetem assim como os eventos. Hoje acontecem as manifestações a favor da Amazônia, fato que eu acho ótimo. No entanto fico mais uma vez perplexo pela passividade dos mesmos cariocas em marcha pela Amazônia, quando o assunto é a destruição de nossos ecossistemas costeiros em que poucos se mobilizam e pagam caro por essa mobilização! A Amazônia é fundamental, no entanto nossos ecossistemas costeiros também o são, pois vivemos neles e dependemos deles, apesar de não terem o glamour amazônico”.
Nélida Piñon
A imortal da ABL também lançou o livro “Uma furtiva lágrima” (Record), em maio, com reflexões, cotidiano, opinião e, claro, sensibilidades. Na publicação, a carioca fala sobre sua formação, amigos, saúde, trabalho e leituras, mas não se trata de um livro de lembranças: é de encontros e detalhes passados e presentes, dividido em pequenos capítulos, que vão do pessoal ao universal. Ela cita a infância no Rio, dos passeios com a tia Teresa pelo Centro, teatro, cinema, o “sabor de um Rio mágico”. E como carioca, ela diz: “Enquanto cresci, amei o Rio. Não traí a cidade. A vida chegou-me por meio de sua paisagem que apurou minha estética urbana. Conheci bem esta urbe mágica, sua gente, suas edificações, seus contornos geográficos, seu espírito irônico. Hoje, ela me atemoriza, contraria o seu passado, sua memória heroica. O que dizer dos vândalos que, empenhados em arruiná-la, deram início ao seu fim, e parecem triunfar”.
Nelson Sargento
O sambista mangueirense é a cara do Rio. O segredo de tanta energia aos 94 anos? Sete décadas dedicadas à sua escola do coração, humor e alegria. Antes do carnaval de 2019, conversamos com esse personagem indispensável na história da cidade, que, mais lúcido que muitos políticos por aí, mandou esta: “O que acontece é que o prefeito atual do Rio não gosta de samba. Assim, não temos nada de bom pra falar a respeito dele. O Crivella está muito bem incluído na frase do Caymmi: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é / É ruim da cabeça ou doente do pé”. Me desculpe, prefeito, mas a verdade é a verdade!”. É ou não é?
Pedro Salomão
O empresário Pedro Salomão é daqueles cariocas entusiasmados, otimistas, tanto que usa a cidade de exemplo em suas palestras pelo País. Fundador da Rádio Ibiza, da LYdereZ, empresa de palestras, e da Pera Live, de transmissão ao vivo e autor dos livros “Empreendendo Felicidade” (2016) e “LYdereZ” (2018), que virou até manual de treinamento de grandes empresas, defende a cidade de uma maneira lúdica: “O Rio já esteve muito pior na história. Eu acho que tudo é uma questão de comparação. Somos comparados o tempo inteiro — o melhor da turma tem que ser o melhor na entrevista de emprego; mas o grande objetivo da vida deveria sermos as melhores versões de nós mesmos. Tem uma coisa que o Eduardo Paes (ex-prefeito do Rio) falava e eu gostava muito, que era ‘por favor, não compare o Rio com Londres, compare o Rio com o Rio, vamos olhar para a história’. Estamos num momento difícil, só que já esteve muito pior. Pessoas que falam sobre violência se esquecem de que, há 50 anos, se matava por terra; a Igreja matava com a justificativa de Deus, mas hoje nunca estivemos num tempo de maior paz da história da humanidade, perto de tudo que o mundo já viveu. Tudo é passageiro. Os pessimistas são pessimistas em qualquer era do Rio. Diziam que as Olimpíadas em 2016 seriam uma merda, mas foi a melhor do mundo, segundo turistas. Mas eu acho importante ter um pessimista no time, mas um só, porque ele não traz solução, só reclama”.
Roberto Medina
O empresário é o criador de um dos maiores eventos da cidade, o Rock in Rio, que aconteceu entre setembro e outubro, movimentando a cidade com 700 mil visitantes ao longo dos sete dias de evento, principalmente a economia – segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, o festival movimentou R$ 1,7 bilhão, gerando mais de 25 mil empregos.
“Tenho ideia fixa em fazer do Rio o principal centro de turismo do mundo, e somos preparados pra isso, até por termos a melhor rede de hotéis da América do Sul. É possível; a prova disso é o Rock in Rio. O Rio afasta empreendedores, e sabe como? Com a burocracia — para quase tudo, é preciso mais de 50 licenças —, não tem políticas públicas, não tem o mínimo calendário cultural, não se faz nada. Falta vontade política, porra! O estado não quer participar de nada pra alavancar um projeto de verdade. Estamos no limiar. Enquanto isso, a gente está vivendo a miséria. Dói meu coração passar por uma favela, olhar o Rio com tanta violência.”
Ruy Castro
O escritor e biógrafo Ruy Castro lançou “Metrópole à Beira-mar”, em novembro, uma ode ao Rio, entre a época que vai do carnaval de 1919 à Revolução de 1930. Segundo o autor, mineiro-carioca, foi seu livro mais difícil, ao mesmo tempo em que os quatro anos dedicados foram os mais felizes de sua vida, e avisa: “O Rio sempre passou por situações difíceis, nunca como a atual, mas, como aconteceu em outras vezes, vai dar a volta por cima. O Rio é indestrutível! ”.