Cristina Granato, aquela que traz em si grande parte da cena cultural do Rio, juntando trabalho e convivência, lança o livro “Carioca” (Debê Produções), nesta quinta-feira (20/12), no Parque Lage, no Jardim Botânico, com trilha sonora de Marcelinho da Lua, pra dar o tom de festa. São mais de mil personagens, com depoimentos carinhosos, sobre a autora: de Fernanda Montenegro a Adriana Calcanhoto; de Glória Pires a João Donato; de Christiane Torloni a Michel Melamed. A seleção de imagens começou há quatro anos, com os registros no arquivo organizado cronologicamente, em dois quartinhos no seu apartamento, no Alto Leblon. “São fotos divididas por décadas, desde 1980, a vida efervescente na cidade, quando todo mundo ainda saía de casa”, diz ela, que começou a trabalhar aos 17 anos e passou por redações de praticamente todos os jornais e revistas cariocas, muitos deles extintos. Difícil no Rio alguém não conhecê-la. Consegue sempre os melhores cliques de bastidores.
Como caiu a ficha para o título “Carioca”?
Quem deu foi o nosso imortal Geraldo Carneiro, que assina o prefácio, amigo que me acompanhou a carreira inteira. É a primeira vez que abro meu arquivo todo; no primeiro livro (“Um olhar na Música Popular Brasileira”, de 2011), era focado na música. E também quis homenagear o Rio já que sou carioca da gema, nascida em São Cristóvão, porque 98% do meu arquivo são do Rio. Vou colocar todos os lugares que não existem mais, como o Scala, o Canecão, Hippopotamus, People… Queria dar uma levantada nas pessoas que circularam por aqui nessa área cultural.
Como foi para escolher as 700 fotos?
Foi terrível, tanto é que preciso fazer outro correndo porque deixei muita gente de fora. No começo, seriam 360 fotos, mas dobrou.
Qual o diferencial do seu livro para outros do gênero?
A relação com as pessoas, porque eu sou uma profissional interessada. A frase “há dez mil modos de ocupar-se da vida e de pertencer a sua época” me define. Eu pertenço a esses 38 anos de carreira; não parei um minuto desde então – eu me meto, sou cara de pau, mas com respeito. Quero fazer uma coisa bacana e, se acho que a pessoa está feia na foto, eu tiro. Já que fotografo artistas, tenho que fazer bem feito.
Nunca se cansou?
Não suporto rotina. Uma vez, o Ricardo Boechat me chamou para trabalhar em O Globo para a coluna social. Fiquei encantada com a ideia de ter carteira assinada, ganhar peru no fim do ano, ter férias, mas, fora da redação, eu poderia construir outra coisa, que é o meu arquivo, e ajudar muito mais na rua do que trancada.
Na época, sofreu preconceito por ser mulher?
Teve muito preconceito, ainda mais porque eu era uma garota e, quando trabalhei na editora Abril por sete anos, ainda fazia laboratório, e os caras eram completamente machistas. Minhas fotos sempre eram capa, como a do Chacrinha, os meninos do Menudo, que me adoravam e eu tinha acesso a tudo – e os colegas ficavam putos. E ainda mais por eu ser gay e todo mundo sempre soube.
As redes sociais atrapalharam sua carreira e você sempre se manteve com fotografia?
No começo da era digital, atrapalhou, sim, em 2003. Foi uma época difícil para os fotógrafos porque todo mundo achava que podia ser um. Isso é uma ilusão. A coisa da Internet ferrou muita gente, mas consigo viver da fotografia, aos trancos e barrancos. Tenho uma vida bacana.
Qual a coisa mais chata num evento e a mais bacana?
Pedir pra mostrar foto. Não mostro porque sou chata, e eu mesma não fico olhando porque sou das antigas, de não olhar na telinha o resultado; só, depois. O melhor é conseguir ter o resultado esperado. Eu sou cara de pau porque tem que pegar a pessoa naquela hora, e você sabe como artista, às vezes, é chato. Tudo acontece em 15 minutos e, se não estiver atenta, já foi. Aprendi a fazer as pessoas ficarem felizes para uma foto. A Cristina Granato é uma entidade – ela desce mesmo sem eu querer sair de casa. É muito melhor a gente trabalhar feliz.
O que mudou nesses anos todos de profissão?
As pessoas tinham mais conteúdo, mais tempo, tinha Cazuza, o Neville d’Almeida, o Canecão, o pessoal do Baixo Leblon, tinha o Noites Cariocas no Morro da Urca, o Calígola, festa de segunda a segunda… Pra onde a gente vai hoje em dia? Era muita loucura, muita bagunça e todo mundo esticava em algum lugar, tudo borbulhando. Era um outro momento porque não existia a violência no Rio.
Rolava muita bebida e droga lá nos anos 80. Como você conseguiu atravessar esse período?
Teve um porre aqui, outro ali, e não tem nada que eu não tenha experimentado. Conheci Tim Maia na época pesada. Eu era amiga da Mariana de Moraes, que namorava o trompetista do Lobão; então acontecia de tudo na noite carioca. O povo cheirava muito, tinha a People, né? Mas sempre fui uma rebelde com causa porque essa gente podia dormir o dia seguinte inteiro, não tinha boleto pra pagar, e eu tinha que trabalhar e entregar, ou era isso, ou não chegaria a lugar nenhum. Sou maluca beleza. Fiquei sem beber por 14 anos (de 1993 a 2007), porque ficava de ressaca e aquilo me atrapalhava, fora que a bebida me levava para outras drogas. Não tenho nada que reclamar de privação – sempre fumei meus baseados.
Confira uma compilação de fotos do livro na galeria:
A GRANDE DAMA DA FOTOGRAFIA SOCIAL CARIOCA. TRISTE VER QUE HOJE EM DIA OS JOVENS QUE NÃO CONHECEM NINGUEM ESTÃO AI. BAJULANDO AS BLOGUEIRAS FAROFENTAS E SE IMPORTANDO COM CURTIDAS NAS REDES….