Numa guerra, o objetivo é exterminar o inimigo, subjugá-lo diante dos interesses do outro polo em combate. É isso que eu acompanho desde 1988 e, de forma cada vez mais clara, no século XXI.
No Rio de Janeiro, ultrapassamos todos os limites da irresponsabilidade, da impunidade, em que o único compromisso que suplanta todos os demais, sem distinção, é faturar o máximo no mínimo tempo possível, com o menor gasto possível.
Esse comportamento sociopata é observável tanto em estatais como em empresas privadas onde a vida humana e o ambiente não valem absolutamente nada. São apenas itens na tabela de custos, para serem reduzidos ao máximo.
Tragédias se sucedem numa taxa alarmante envolvendo pequenos, grandes, novos e velhos delinquentes ambientais, públicos e privados, sem que, até agora, a justiça tenha sido exemplarmente feita.
Em horário nobre, há muito marketing mostrando como os delinquentes estão preocupados com as causas das tragédias, e a máquina de dar lucro continua a todo o vapor, pois, afinal, para o mercado e para os sociopatas à frente dessas corporações o que interessa é o lucro a qualquer preço.
Por si só, termos sociopatas geralmente no comando, dentro e fora da máquina pública, já é uma tragédia de proporções bíblicas, pois esse tipo de “gente” não mede esforços para alcançar as metas estabelecidas pelos grupos que representam, sejam elas quais forem, e seja qual preço que tenha de ser pago para alcançá-las, normalmente em detrimento da degradação da natureza e da saúde coletiva.
Porém, quando se soma à sociopatia, amplamente aceita na sociedade globalizada como uma virtude que precisa ser incentivada, a passividade, a resiliência patológica, já inúmeras vezes comentada em artigos anteriores, aí temos o inferno sobre a Terra.
Pois estamos justamente vivendo a receita da tragédia perfeita: impunidade, prevaricação sistêmica e passividade. Nada resiste a esse trio, que se potencializa numa espiral sem data e tão pouco limites para terminar.
No dia 13 de fevereiro, fui convidado a falar em audiência pública no auditório da estatal CEDAE, onde expus meus pontos de vista — já amplamente conhecidos publicamente — e ouvi o que a nova diretoria tinha a dizer.
Na reunião, destaquei que, semelhante àquela audiência, em meus 32 anos de atuação na área ambiental, já tinha participado de inúmeras onde o resultado prático foi nenhum, a não ser no caso da Lagoa Rodrigo de Freitas, quando efetivamente a sociedade se mobilizou, e quem recebia e não fazia se viu obrigado a trabalhar.
Se a nova direção da estatal fará a diferença, isso só o futuro dirá. De certo mesmo, é que o projeto que deveria ter sido executado desde 2007/2008 parece que sairá do papel finalmente, neste primeiro semestre de 2020, ao custo estimado de aproximadamente R$ 95 milhões, isto é, 12 anos depois de seu anúncio e que provavelmente levará ainda um prazo máximo de 24 meses para ser finalizado, através da transposição dos valões de esgoto do Ipiranga, Poços e Queimados. Dessa forma, estarão protegidos o ponto de captação do Guandu e a saúde de 9 milhões de moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
No entanto, a bacia do rio Guandu continuará o destino final do esgoto industrial de empresas privadas, esgoto doméstico e demais resíduos, sabe-se lá quais são, dos municípios de Seropédica, Queimados, Japeri e Nova Iguaçu, com um custo estimado de resolução de R$ 1.4 bilhão, uma verdadeira “merreca” quando comparado com os R$ 1.6 bilhão torrados na reforma apenas do Maracanã para a Copa de 2014, aquela dos 7×1!
Portanto, não é falta de dinheiro, mas impunidade e falta de prioridade em que cada um fica no seu cercadinho sem incomodar as demais esferas, para que ninguém fique melindrado — coisa muito comum na máquina pública e onde todos acabam irmanados sob o manto dos privilégios das castas pública e privada.
Até lá, é confiar nos milagres da heroica Estação de Tratamento de Água do Guandu, no processo de transformar patê de esgoto em água potável. Reitero que a Estação do Guandu é uma estação de tratamento de água e não de esgoto, portanto tem seus limites técnicos!
Apesar de acreditar no conceito de milagre do ponto de vista científico, e sabedor que até milagre tem seus limites, eu não irei mais consumir água fornecida pela estatal até que o projeto de transposição seja efetivado e que eu constate pessoalmente as novas condições ambientais no ponto de captação. Simplesmente, não confio mais no produto que me é fornecido em função de minha formação profissional e da ausência de confiança que tenho nessa empresa estratégica mas que foi transformada no que há de pior em termos de serviços de água e esgoto, um exemplo do que não deve ser seguido em termos de gestão pública.
Repito: se irá mudar, a partir da nova gestão recém-empossada, isso só mesmo o futuro dirá. Enquanto isso, vou comprando água mineral e já pensando em outras medida cabíveis, pois nossa cidade está sob ataque, onde ecossistemas vêm sendo exterminados, a saúde pública exposta a todo tipo de perigos ambientais, e não é de minha natureza assistir a tudo isso sem reagir, pois, se mesmo inevitável, a derrota deve ser vendida ao inimigo da forma mais cara possível.
Estamos em guerra! Escolha seu lado nessa guerra pela cidade do Rio de Janeiro.