Nas últimas duas semanas, tive contato com uma jornalista francesa que buscava informações sobre a questão da qualidade das águas das praias cariocas, em especial, da praia de Copacabana. O que no início era apenas uma abordagem para as praias e seus problemas, rapidamente cresceu para uma visão muito mais ampla da tragédia socioambiental de um paraíso que insistimos em destruir.
Depois de falar muito por WhatsApp, sugeri que visitássemos o sistema lagunar de Jacarepaguá, pois, de lá, ela poderia entender a gravidade da situação. Acredito que a francesa e sua fotógrafa nunca vão esquecer as imagens e principalmente os odores de nossas lagoas no lugar onde boa parte dos jogos Pan Americanos e Olímpicos aconteceu.
O cheiro pútrido tomando o ar que tentávamos respirar, o esgoto “in natura” escoando dos rios em direção às lagoas, misturado com o lixo doméstico, pneus, caixas d’água, camas e outros resíduos que se entulhavam nas ilhas de lama e lixo criavam um cenário perfeito de juízo final, que se misturava a uma cara de incompreensão de como uma cidade tão linda, podia tratar tão mal, de forma tão incivilizada seus recursos naturais.
Apesar da visita “náutico-fecal”, chocante, sugeri que tivéssemos uma vista mais ampliada da degradação, lá do alto. Lá fomos nós, de helicóptero, entender o motivo de tamanha degradação histórica e sistemática da Cidade Maravilhosa e de seu principal ativo econômico-ambiental, suas praias.
O voo durou uma hora e trinta minutos, mas foi o suficiente para que qualquer um que tivesse olhos entendesse que a degradação em nossa cidade não é gratuita tampouco fortuita, beneficiando claramente grupos econômicos e políticos que deitam e rolam em detrimento do ecocídio que é promovido tanto nas áreas ricas como nas pobres.
As límpidas águas de extensos trechos de praias das Zonas Oeste e Sul — fruto da ausência de chuvas e ventos no atual veranico de outono-inverno — misturavam-se às imagens flagradas na enseada de Botafogo tomada por esgoto, da zona portuária, recentemente reurbanizada e tomada por esgoto, do canal do Fundão, porta de entrada internacional da Cidade Maravilhosa, um gigantesco valão de esgoto ladeado pela imponente e pouco eficiente estação de tratamento de esgoto da Alegria, das águas pútridas da praia de Ramos, contrastando com as límpidas águas do piscinão local e, finalmente, a podridão de rios e lagoas do sistema lagunar de Jacarepaguá.
Um verdadeiro “tour ecocida”, de uma cultura voltada para o usar até acabar. Em resumo, depois de muita conversa e análises, a conclusão era sempre a mesma do meu ponto de vista: o patrimônio ambiental da cidade vem sendo dilapidado de forma irresponsável, criminosa, por uma cultura típica de colônias de exploração, onde, nos séculos XX e XXI, o crescimento urbano desordenado transformou-se numa máquina de favores e votos, portanto de poder, e o saneamento, numa máquina de dinheiro fácil, em que quem vende o produto recebe, não presta um serviço de qualidade e fica por isso mesmo…
Finalmente, para completar a tempestade ambiental perfeita, quem paga com dinheiro e inúmeras vezes, com a própria vida sofre da tal resiliência patológica, que é o estado psicopatológico de aceitar o inaceitável, como já exposto em outros artigos.
Apesar de muito claro, senti, na feição da jornalista, uma mistura de tristeza, incompreensão e resignação diante do quadro apresentado ao vivo e em cores, numa cidade bonita por natureza. Nos cumprimentamos na saída do metrô — ela, com a passagem marcada de volta para Paris e eu, com passagem marcada para a minha trincheira do sistema lagunar de Jacarepaguá. Uma única certeza cada vez mais intensa na minha cabeça: esse lugar merecia um tratamento diametralmente diferente do que temos dado a ele.
Fotos: projeto “Olho Verde”, Mario Moscatelli