Nélida Piñon tem talento, nome, admiradores… Porém, mais que isso, Nélida Piñon tem o maior de todos os bens: a alegria – o que nunca passa despercebido a ninguém, por mais superficial que seja o contato. Para os que têm a sorte de ser seus amigos, o que dizer? E o vigor? Esse está ali, na mesma proporção do bom humor. Raciocínio rápido, que, em em muitas situações, lembra o Washington Olivetto, ou seja, faz parte do clube que parece ter as respostas na ponta da língua – do assunto mais banal ao mais profundo.
A escritora acaba de lançar “O livro das horas”, que, mais que uma biografia, junta suas memórias afetivas. São relatos da vida profissional – que começou no final dos anos 1950, quando publicou seus primeiros contos – e pessoal, com muitas histórias ao lado de outros tantos nomes da literatura.
Piñon, que coleciona dezenas de prêmios nacionais e internacionais, roda o Brasil atualmente, participando de noites de autógrafos – as próximas serão na segunda-feira (10/09), em Curitiba, e quarta-feira (12/09), em Belo Horizonte. No dia 18 de setembro, Nélida embarca para a Espanha, onde participa de um ciclo de palestras. Nessa pequena entrevista para o “Invertida”, podemos dizer que algumas respostas foram “imortais”, tais qual sua condição como membro da Academia Brasileira de Letras! Sua presença só dá graça, espontaneidade e inteligência à ABL.
UMA LOUCURA: “Uma loucura é a paixão que aflora sem aviso. Menos mal, porém, que é um fulgurante desatino propenso a se extinguir depois de se carbonizar. Em geral, uma loucura que engendra a próxima. Loucuras na minha vida foram muitas, mas está tudo superado. Acaba que não estamos à altura das paixões vividas.”
UMA ROUBADA: “A vida esta cheia de tropeços. Aprendi, portanto, a converter o precioso tempo que perco em desvencilhar-me deles como modo de entender melhor quem somos. Não estou familiarizada com o conceito de roubadas. Nada me é roubado, a vida só me acrescenta.”
UM PORRE: “Um porre é ouvir quem me fala sem interrupção, como se o mundo gravitasse em torno de seus interesses. Aquele ser absolutamente indiferente em saber se, a despeito de seu egoísmo, ainda continuo viva ao seu lado. Tenho paixão pela lucidez. A lucidez também embriaga.”
UMA FRUSTRAÇÃO: “Convém aprender a ganhar e perder. Em geral, fora de uma situação radical, há sempre um equilíbrio nos favores e nos desfavores do cotidiano. Constato que o destino tem garras: arranha e sopra e que me cabe dar o bom combate de que dizia São Paulo. Ou acompanhar um refrão espanhol: quem resiste, ganha. Procuro não entronizar minhas frustrações, prefiro superá-las; por isso é que eu tenho esse bom humor, estou sempre indo adiante.”
UM APAGÃO: “Apagão tem a ver com a memória que não lhe fornece o que você necessita ou está a cobrar. Ou ainda agir de forma negligente, como se tivesse, sem querer, apagado todas as formas de cortesia. Qualquer apagão é sempre constrangedor. No fundo, o apagão desumaniza. Apagão é pior que falta de luz, é um corte de energia.”
UMA SÍNDROME: “Abusa-se do uso de “síndrome”. Qualquer dia vão lhe perguntar se você sofre da ‘síndrome da vida’.”
UM INSUCESSO: “Tenho uma nutrida lista de insucessos. Em conjunto, ou separadamente, eles me formam, contam a minha história…”
UM IMPULSO: “O impulso do amor, da generosidade. O impulso de me lançar à aventura como se tivesse asas, como se estivesse em todos os lugares ao mesmo tempo, como se frequentasse a casa alheia sem ser notada. Não para surpreender a mesquinharia do cotidiano, mas para constatar o esplendor de um simples prato de feijão e arroz comido com júbilo, com crença na vida.”
UM MEDO: “Tenho medo da dor, de não saber morrer com dignidade, de ferir o próximo quando pretendia enaltecê-lo. São infinitos medos, sobretudo o medo de não estar à altura da minha própria aprendizagem.”
UMA IDEIA FIXA: “Talvez a minha seja criar, inventar, dilatar minha visão do mundo.”
UM DEFEITO: “Mais vale que os demais respondam, acusem-me com o indicativo que ostenta o anel que eu própria ofereci. Posso dizer também que deixo para amanhã o que eu poderia fazer hoje.”
UM DESPRAZER: “Desprazer é a cultura da grosseria; o resto, deixa o povo inventar.”
UMA PARANOIA: “Só se for fictícia.”