Já faz algum tempo que o público de TV não se interessava tanto em acompanhar uma trama quanto em prestar atenção nos figurinos dos personagens, como está acontecendo com a série “Os Dias Eram Assim”, na tela da Globo desde abril, no horário das 11 da noite (podendo variar). Calças bocas de sino; botas de cano alto usadas com vestidos curtos, destacando bem as coxas; biquínis de crochê e óculos grandes, como os usados por Jackie Kennedy e Janis Joplin, ajudam a compor os anos 70 e 80 no Rio, de tantas aspirações pessoais e culturais cerceadas pela ditadura.
Com isso, a figurinista Marília Carneiro, culta, elegante e com muita noção das coisas, voltou a ter o sucesso que fez com as meias de lurex e as sandálias de salto fino de “Dancin’ Days” e as roupas exóticas de “Rainha da Sucata”. É outro ponto alto na carreira dessa figurinista que realmente pensa a moda – não a toa, é formada em Filosofia – e já começou em novelas da Globo inovando – na época de “Os Ossos do Barão” (1973), de Jorge Andrade, os figurinos ainda eram todos confeccionados pelo setor de costura da emissora e Marília acelerou o processo introduzindo peças prontas, escolhidas em lojas comuns e dando mais velocidade às produções.
A carioca filha de arquiteto e dona de casa, que viveu intensamente a época de “Os Dias Eram Assim”, conta, na entrevista abaixo, uma certa nostalgia desse tempo, em comparação com a perplexidade e desesperança dos dias atuais.
Foto: Murillo Tinoco
Qual o maior prazer com “Os dias eram assim”?
“O maior prazer é fazer sucesso, eu realmente adoro, gosto demais. Há muito tempo eu não sentia esse gostinho, de estar na rua e todo mundo falar, como tem acontecido nos últimos meses. E, para minha surpresa, achava que a crítica ia gostar, mas o público, achava que não, pelo horário flutuante e pelo tema. A série atinge 42 pontos, a expectativa seria 17 – já pra ser bom. Está todo mundo assombrado e isso é maravilhoso!”.
Muito aprendizado com as pesquisas? O que fica na Marília?
“Foi pra reavivar minha memória, porque vivi essa época e fiz ‘Anos Rebeldes’, também”.
As pessoas tinham mais sonhos e esperanças do que em 2017?
“Sem sombra de dúvida, tínhamos mais sonhos e esperanças, falando por mim também. Embora estivéssemos sofrendo muito com a ditadura, esse horror dos horrores, a gente tinha razão, motivação para lutar. Queríamos ver a democracia instalada. Hoje, temos a democracia, mas vivemos uma época de muita perplexidade e, sobretudo, de desesperança. Se eu quisesse sair à rua para lutar, não saberia contra quem ou a favor do quê”.
Que atriz está gostando mais de viver essa época através dos figurinos? A maioria não era nem nascida nos anos 70….
“Só a velha guarda era nascida, a série começa em 64, portanto mais de 50 anos atrás. Os jovens acho muito entusiasmados, tanto a Sophie Charlotte quanto os dois galãs, o Renato Góes e o Gabriel Leone. Já a personagem da Susana Vieira é um fenômeno: uma parte de mulheres inseguras se identifica muito – a gente não pode chamar de perua, mas é aquela grifada da cabeça aos pés, os óculos têm marca, a bolsa tem marca, o blazer tem marca. São pessoas incapazes de botar uma peça por que é bonita, como muitas mulheres, digamos, viajadas aqui do Rio”.
As botas de cano alto ainda têm vez hoje em dia, na sua opinião?
“Botas de cano alto são uma coisa que jamais vai sair de moda, não tem condição. Estão sempre presentes”.
As calças bocas de sino voltaram à moda com o nome de flare. Que peça desse tempo foi esquecida e você gostaria que voltasse a ser usada?
“Agora as calças são largas e curtas e o nome é pantacourt. Gostaria que a gola rolê voltasse a ser usada, eu sou apaixonada, mas muito difícil de comprar e de ver. Uso muito no estúdio – lá é zero grau”.
O guarda-roupa da carioca ficou mais minimalista por causa da crise?
“O guarda-roupa da carioca não ficou minimalista, mas o brechó eu não conhecia no Rio, era uma coisa de Paris, Londres, Nova York, São Paulo, mas agora tem um em cada esquina”.
Daqui a alguns anos, como você acha que os dias atuais, de governo Temer, poderão ser representados no figurino?
“Que pergunta complexa! Como isso vai bater no futuro, eu não sei, acho que a era Temer vai passar em branco, em todos os sentidos”.
O casal presidencial se veste bem?
“O Temer e a Marcela são passados a ferro, não têm estilo. Estilo têm, por exemplo, Obama e Michelle”.
Aparência é tudo, o resto é quase nada?
“Aparência é muito importante, é um código para imaginar que tipo de pessoa está ali atrás. Esse é o grande código da minha profissão. Pela minha ‘deformação profissional’ sou capaz até de saber de que bairro é um certo alguém. Uma pessoa da Gávea não é igual a uma pessoa da Barra. Uma pessoa do Humaitá não é igual a uma pessoa do Recreio. É a mesma coisa como comparar Miami a Nova York”.