O que de nobre nos motiva a seguir adiante? Minha voz tem sido o motriz de minha existência, o elemento que me fez mudar da Recife natal para o mundo e que se tornou minha arma de batalha pra questionar e tentar transformar o mundo à minha volta. Sou umbandista, mas, só há alguns anos, descobri que esta voz me foi presenteada por meu orixá de cabeça: minha mãe Iansã.
Eu me lembro do exato momento em que, ainda adolescente, caminhando sozinho, numa madrugada, pela praia de Boa Viagem (pré-tubarões), no Recife, eu pedi aos céus uma arma para lutar: a voz me veio.
Ultimamente, tenho pensado demasiadamente no Brasil, com pena, tristeza e apreensão. Apesar de viver entre o Rio e os USA, por causa do trabalho do meu marido, é impossível me desconectar do meu país e não sofrer com a avalanche de más notícias que nos bombardeiam dia após dia.
Fora do Brasil, viramos motivo de pena ou chacota por causa desse novo governo. E me pergunto: como ou por que conseguimos chegar a esse ponto? Enfim, estamos vivos. E minha voz, mesmo sendo um artista independente, segue resistente; aliás, ‘resistência’ é a minha palavra de ordem: “Resistir para existir.”
De Pernambuco, mudei-me para o Rio, em 1994. Meu padrinho artístico foi o Wolf Maya, diretor com quem trabalhei em três projetos. Em 1998 fui, pela primeira vez, a Nova York. A partir daí, vivi entre o Rio e NY até 2006. Em Manhattan, cantei na noite, em bares do Village, como Café Wha e o SOB’s. Também, nesse período, lá conheci o Gerald Thomas, com quem fiz uma extensa turnê com o espetáculo “O cão andaluz”, colagens sobre a obra de Garcia Lorca.
Meu primeiro CD, “Eu, causa e efeito”, é de 2001. Nesse trabalho, já contei com as luxuosas participações do Ney Matogrosso, Nana Vasconcelos, Dominguinhos e do Otto. Posteriormente, o Ney me dirigiu num recital em cima das canções compostas por Herivelto Martins e interpretadas por Dalva de Oliveira. O Ney, ainda hoje, é um amigo próximo. Estou no meu sexto CD de carreira, o “Minha boca não tem nome” (2018), lançado, no fim do ano passado, pela gravadora Biscoto Fino.
O disco foi produzido pelo Guilherme Kastrup junto com o maestro Jaime Alem. É um trabalho em que minha imagem, canto e discurso alcançaram seu melhor resultado nesses meus 25 anos de carreira. Meu canto é cheio de esperanças, luta e fé — esses são sentimentos que norteiam minhas escolhas e decisões diárias.
Minha androginia eu reservo para os palcos; lá eu deixo o personagem tomar conta. E isso ocorrerá na próxima quarta, dia 07/08, em única apresentação, no Teatro XP Investimentos no Rio, cidade que tanto amo.
João Fênix é pernambucano, atualmente vivendo entre Brasil e Estados Unidos, mas sempre com um pé no Rio, cidade que ama. O estilo andrógino é um grande atrativo no perfil desse cantor, elogiado e reconhecido tanto pela classe artística quanto fora dela. Fênix se apresenta na próxima quarta (07/08), no Teatro XP.