Vinte anos em Trancoso. Sou do Sul e vim pra cá com um sonho de fazer uma pousada. Graças ao nosso trabalho, meu e do meu sócio, Corrado Tini, e a Deus, fizemos, e de pousada, passamos a hotel; de hotel, nos posicionamos muito bem no mercado. Estou embarcando para Los Angeles, neste fim de semana, indo ao BLTA (Brazilian Luxury Travel Association), um evento promovido para divulgar a hotelaria no Brasil. E fico me perguntando se é o momento — não vai ser fácil, com certeza.
Na última sexta-feira (31/10), os agentes de lá já estavam me ligando e perguntando se eu teria visto alguma mancha de óleo, porque o medo se espalha muito rápido. Estou indo para a Califórnia, onde terei que chegar com respostas, coisa que não tenho. Não tenho porque, dois dias atrás, fui à praia e não vi nada; hoje, já vi filmes de amigos falando dos pequenos pedaços de óleo nas areias. O óleo é tóxico, e ninguém quer vir pro destino com perigo de doenças.
Então, a gente se preocupa com todo investimento, um grande trabalho feito, e com essa situação nova e complicada. Penso nesses investimentos todos, de material, de dinheiro, de tempo, e me sinto muito egoísta. E os peixes? E os recifes? E os corais? Em Trancoso, estamos de luto. Antes, era o problema da Amazônia; depois, no Pantanal; agora é o óleo. Eu até me emociono. Vi amigos de restaurantes dizendo que não vão servir frutos do mar neste verão. Como se vê, prejudica tudo. E a todos!
Olhamos pra esse mar e pensamos: como podem sujar algo tão grande, tão maravilhoso? É mesmo incrível o ser humano. Ficamos esperando que venha alguém nos salvar, mas não vem. Estamos nos sentindo abandonados. Deveria fechar Trancoso em luto, para protestar contra essa vergonha. Estamos acostumados com a tragédia, a sofrer e apanhar sem fazer nada; então que sirva, pelo menos, para falar o que sentimos. E Trancoso tem essa coisa que atrai; vem gente de todo lugar do mundo. Às vezes, fico muito triste porque as pessoas se deslumbram com aquelas praias da Tailândia, da Indonésia, aquelas de não sei onde…
Aqui tem o que tem lá, e é nosso. Ver as pessoas com medo de vir pra cá me deixa triste. É como sair do paraíso pro inferno. Eu estou preocupado, indo fazer um trabalho, tendo que defender as belezas que tem nesta terra e que estão queimadas ou poluídas. Nem sei como. Não temos visita de nenhum político aqui. Falo isso sem partido nenhum, sem apontar o dedo pra ninguém.
Apesar desse abandono todo, dá um orgulho danado ouvir o pessoal da comunidade dizer que “o que chegar aqui a gente limpa”. São quilômetros de óleo, que não se sabe de onde vem e nem pra onde vai. Porém tenho esperança: a última notícia que recebi foi sobre uma mancha maior que está passando pelo mar de Trancoso, mas não deve chegar às praias. E o melhor: a Marinha está entrando em ação.
André Felippe Zanonato é hoteleiro, dono da Etnia Pousada & Boutique. Ele não só é apaixonado como também viciado em Trancoso — pela cultura, pelo mar, pela culinária, pelo clima, pelas pessoas, pelo estilo de vida!