O primeiro emprego de Marcelo do Rio foi como digitador da Fininvest. Muito novo, tinha uma banda de rock, e chegou a tocar profissionalmente com Sydney Magal por dois anos, mas sua preocupação com o salário instável de músico o levou aos EUA. De lá, voltou para o Rio com ideias de abrir um restaurante em estilo nova-iorquino, e surgiu seu primeiro sucesso, o Caroline Café.
Em seguida, vieram a Melt e a cervejaria Devassa, que começou como microempreendimento e se tornou um sucesso, comprada em 2007 pelo grupo Schincariol (hoje a Brasil Kirin). Depois, abriu a Vezpa Pizzas com Cello Macedo. Decidiu, então, se tornar um investidor anjo e direcionar sua carreira para as novas tecnologias. Levou a família para morar no Vale do Silício e acaba de lançar a Graava, a primeira câmera de vídeo do mundo que edita automaticamente a filmagem (pode reduzir três horas para cinco minutos) e já é vendida em 40 países. Mas não esquece do Rio – em breve, vai lançar outro negócio, que ainda mantém em sigilo.
Como aconteceu essa sua transição do mundo da cerveja para o da tecnologia? Você está à frente da Graava apenas como presidente ou mergulhou de cabeça no conhecimento científico? Existem muitos brasileiros trabalhando no Vale do Silício?
“Sempre fui interessado em tecnologia e inovação – em 2007, estava passando pelo processo de virar empreendedor ‘endeavor’ quando a Devassa foi comprada. Depois da aquisição, quis retribuir toda a importante contribuição que recebi e me tornei ‘colaborador endeavor’, fazendo mentorias para startups. Em seguida, virei ‘angel investor’ quando, então, vivi intensamente a euforia de lançar produtos e serviços com potencial de escala. O perfil do brasileiro que vem para cá é diferente do que vai para a Costa Leste dos EUA. A maioria atua na area de CS ou Finance, são engenheiros engajados na Google, Tweeter, Facebook, empresas de HW (hardware), SW (software) ou trabalham em ‘venture funds’.
Os inventores brasileiros têm prestígio?
“Uma coisa que admiro muito aqui nos EUA é que qualquer profissional comprometido, seja asiático, europeu ou sul-americano é visto com o mesmo respeito e, se for competente, tem igual destaque que os americanos. O sistema meritocrático americano realmente funciona: pessoas que se esforçam mais, são mais reconhecidas, ganham melhores salários, e re-investem em si mesmas num ciclo virtuoso alimentado pelo mérito”.
Explique como se dá a análise da frequência cardíaca pela câmera Graava. Acha que a interpretação que o coração dá é mais seletiva do que uma interpretação cerebral?
”A Graava usa a hipótese da formação da memória pelo cérebro humano. Usamos nossos sentidos para selecionar os momentos mais importantes e estes ficam registrados em nossa memória. A câmera tem cinco sensores que emulam esse mecanismo: microfone (análise de som), GPS (geo análises), acelerômetro (eixos X,Z,Y), sensor de imagem, e sensor de batimento cardíaco. Esse último traz uma possibilidade até então nunca pensada. O coração se altera por diversos motivos, além de esforço físico. Em situações emocionais, como o aniversário de seu filho, onde seu coração palpita na hora de soprar a vela, é interpretado por nossos algoritmos como momento importantíssimo e estará no versão final, editada automaticamente pela câmera”.
Tem saudades da cerveja brasileira? E da vida noturna carioca?
“Aqui, na Califórnia, tem muitas opções de craft beer (cerveja artesanal). Moro numa pacata cidade chamada Menlo Park, sede do FaceBook. Em Palo Alto, que fica a cinco minutos de minha casa, gosto de degustar as ales da Gordon Biersch Brewery, conheço os donos e dou meus pitacos por lá. Pra quem sempre morou em cidade grande como eu, nunca imaginei que gostaria tanto.
Sua saída do Brasil teve algo a ver com o momento econômico do país? Como é sua perspectiva do Brasil no momento? Quanto tempo pretende ficar fora?
“Minha admiração pelos EUA é muito antiga. Já havia decidido morar por aqui de novo há tempos, mas nunca era a hora certa. Em 2011, quando o Brasil ainda estava em momento de euforia, decidi que era a hora e comecei a me preparar; coloquei meus filhos na escola americana, Iona, minha mulher, começou a estudar para o mestrado na Universidade de Stanford. Foi uma coincidência nossa saída e o início da crise em meados de 2013. O país precisa passar por uma profunda reforma, não vejo isso acontecer sem uma ruptura, sem uma mudança de paradigmas. Um país precisa acreditar e investir em seus empreendedores, inovadores, pesquisadores e em experimentadores. Errar faz parte do aprendizado, é importante valorizar e apoiar quem tenta, quem se arrisca. Não tenho data marcada para voltar, acho importante viver todas experiências de forma plena. Vou ficando por aqui, mas amo visitar meus queridos amigos no Brasil. Pra quem vai de visita, não há melhor lugar no mundo.