As praias do Rio estão sempre em listas anuais das mais lindas: a “Princesinha do mar”, a mais famosa de todas, ou Ipanema, o berço da bossa nova e da diversidade, e as mais preservadas, como Prainha e Reserva, que acabam de receber a Bandeira Azul, selo internacional de certificação da Foundation for Environmental Education (FEE), cujos pré-requisitos entre os 34 são a qualidade da água, a limpeza da praia, o valor cultural do local e o oferecimento de atividades de educação ambiental. Tudo muito lindo, muito poético não fosse um detalhe: o lixo.
Um estudo inédito realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2020, revelou que os banhistas do País dividem espaço, em média, a cada trecho de 8 km, com mais de 200 mil bitucas de cigarro, 15 mil lacres, tampas e anéis de lata, 150 mil fragmentos de plásticos diversos, 7 mil palitos de sorvete e churrasco e 19 mil hastes plásticas de pirulitos e cotonetes.
Entre eles, as bitucas são as mais comuns. Enquanto isso, existem poucos soldados lutando contra esses números, entre eles, o advogado carioca Bernardo Egas, 37 anos, desde agosto fazendo um movimento que ganhou o nome de “Revolução das Bitucas”, ao reservar uma hora das suas manhãs para catar as guimbas nas areias de Copacabana; desde então, foram 25 mil delas retiradas.
Se o nome soou familiar, Egas foi secretário municipal do Meio Ambiente na última gestão, além de ter sido presidente do Instituto de Previdência e Assistência do Município (Previ-Rio) e diretor de Administração e Finanças da Rioluz. Atualmente é presidente da Alta Sea Rio, um braço da empresa sediada em Los Angeles (EUA), um grande hub de iniciativas da economia azul e, recentemente, foi diplomado Conselheiro na Comissão de Turismo da Associação Comercial do Rio.
Como começou a “Revolução das Bitucas”?
O projeto “Revolução das Bitucas” teve início em agosto, quando comecei a reservar uma hora por dia para essa tarefa, sempre bem cedo. Minha motivação veio da minha participação frequente em mutirões de limpeza da praia, em parceria com organizações como a Route e a Orla Rio. Durante essas ações, ficou evidente que as bitucas de cigarro eram o tipo de resíduo mais comum encontrado; isso começou a me incomodar profundamente. No entanto, o que mais intensificou minha dedicação foi o fato de ter me tornado pai recentemente (Antonio, de 3 meses, seu filho com Carolina Torres). Percebi que o ambiente onde as crianças brincam na areia pode representar um risco à saúde, já que elas podem entrar em contato com resíduos tóxicos. Conforme minha paixão por essa causa crescia, amigos se juntaram a mim e, carinhosamente, começaram a chamar nosso movimento de “Revolução das Bitucas”, e aqueles que participam ativamente desse esforço passaram a ser chamados de “bituqueiros”. Estamos comprometidos em conscientizar as pessoas dos perigos das bitucas para o meio ambiente e a saúde pública, e continuamos trabalhando incansavelmente para tornar nossas praias mais limpas e seguras.
De lá até aqui, quantas foram retiradas de circulação? O que você faz com elas? Os “bituqueiros” cresceram?
Até o momento, conseguimos coletar 25 mil. Nosso foco não é apenas a remoção física desses resíduos, mas também a conscientização pública dos danos que elas causam. Existem algumas iniciativas e soluções para a destinação adequada desse tipo de resíduos e projetos socioambientais, como o “Rebituca Rio”, que trabalha incansavelmente para recolher essas bitucas poluentes e transformando esse lixo em pranchas de surf (publicado aqui). Já participei de algumas ações com eles, pois entendo que a união entre os ativistas cariocas é fundamental. Na última ação, tivemos a incrível participação de mais de 200 pessoas, desde moradores locais até grupos de estudantes, membros de organizações ambientais, e até mesmo turistas. Atrair mais voluntários tem sido um desafio constante. Depois de cada evento, observamos que os voluntários geralmente relatam uma sensação de realização e gratificação.
Por que bitucas?
Elas contêm materiais tóxicos, como acetato de celulose, alcatrão e produtos químicos do tabaco. Quando essas substâncias entram em contato com a água do mar, ocorre a liberação de poluentes que afetam a vida marinha. Peixes e aves frequentemente ingerem fragmentos de bitucas ou outros fragmentos contaminados, resultando em consequências negativas para a saúde da fauna marinha e, eventualmente, para a nossa própria saúde, uma vez que estamos no topo da cadeia alimentar.
Existe alguma solução? Dizem que fumar está fora de moda; mesmo assim, os números são absurdos. Acredita que faltam campanhas, falta vergonha na cara?….
É fundamental fazer campanhas educacionais, especialmente entre aqueles que ainda não possuem uma compreensão completa das questões ambientais. Além disso, temos que buscar a responsabilização das grandes fabricantes de cigarros. Elas devem se envolver ativamente e contribuir para a solução, o que pode incluir o apoio financeiro aos municípios para custear a remoção apropriada das bitucas, bem como colaborar para implementação de infraestrutura. É um fato alarmante que, mesmo com a conscientização crescente dos riscos do tabagismo, os números globais de consumo continuem tão elevados. São cerca de 6 trilhões de cigarros anualmente no mundo, o que representa uma quantidade impressionante de tabaco e uma produção massiva de resíduos. Segundo dados da ONU, esse consumo contribui para a emissão de aproximadamente 80 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, exacerbando os problemas relacionados às mudanças climáticas. Muitas pessoas não percebem que as bitucas de cigarro são persistentes no meio ambiente — elas podem levar anos, senão décadas, para se decomporem completamente. A falta de campanhas eficazes é um problema sério. Mas também precisamos pressionar a indústria do tabaco a assumir a responsabilidade dos danos que seus produtos geram, implementando medidas eficazes de logística reversa e reciclagem.
Por que acha que não existem descartes corretos, não existe conscientização, cinzeiros nas praias, nas ruas?… De quem é a responsabilidade?
Em primeiro lugar, os fumantes têm uma grande responsabilidade no descarte adequado. O Poder Público deve providenciar a infraestrutura adequada de descarte, além de criar as regulamentações e realizar a fiscalização. A indústria deve ser responsável pela implementação de programas de logística reversa e a promoção de alternativas biodegradáveis para os filtros de cigarro. Por fim, as organizações da sociedade civil, grupos de voluntários e ativistas ambientais desempenham um papel importante na mobilização da comunidade para lidar com o problema e ainda podem pressionar os governos por mudanças legislativas.
Acredita que o carioca (o ser humano, em geral) é muito mal-educado e não pensa nos outros? Como mudar, lá na raiz, esse mal que é a falta de educação?
É verdade que, em muitos casos, a falta de educação ambiental e o comportamento egoísta podem contribuir para problemas, por exemplo, a poluição, mas é possível fazer mudanças positivas e conscientização desde a raiz, como incluir a educação ambiental no currículo escolar desde cedo, nas escolas municipais. Outro fator é a liderança; precisamos de mais líderes comunitários, figuras públicas e empresas influenciando positivamente as gerações mais novas. Estamos pecando muito em vários aspectos, porque considero que tudo está interligado. Se as pessoas não respeitam a natureza e a própria areia onde deitam, como imaginar que haverá respeito entre as próprias pessoas?
Você foi recentemente diplomado como conselheiro na Comissão de Turismo da Associação Comercial do Rio. O turismo é uma vocação natural do Rio. Como pretende atuar?
Obviamente vou ressaltar as práticas de turismo sustentável, incluir programas de educação ambiental em atividades turísticas, como passeios e excursões, para informar os visitantes sobre a importância de manter as praias limpas e de descartar as bitucas de cigarro de maneira adequada e trabalhar em colaboração com empresas de turismo e hospedagem para incentivar práticas ambientalmente responsáveis. Não é à toa que o Rio é conhecido como “Cidade Maravilhosa”.
Qual seu maior sonho quanto ao Rio e que futuro você enxerga?
Ver a natureza valorizada e cuidada. Sonho com uma cidade boa e saudável para moradores, turistas e também para nossa fauna, com toda a sua biodiversidade. Não acho que isso seja algo tão utópico assim; para mim, o que soa totalmente fora do normal é que seja diferente disso. Acredito que as novas gerações terão um protagonismo muito forte na agenda ambiental, colocando esse tema à frente de tudo. Sou otimista em relação ao surgimento de novas tecnologias, que possam contribuir na questão climática. Acho que, cada vez mais, estamos entendendo o valor primordial dos nossos oceanos para a vida no Planeta. Já sabemos que não há outro caminho que não seja o da redução das emissões e do nosso impacto. Precisamos de ações de regeneração do meio ambiente e interromper a destruição. Esse é o desafio desta geração. Acredito em um futuro com a cidade do Rio com um papel muito importante no Brasil e no mundo, nessa virada de chave.
Por Dani Barbi