“Pesquisadores descobriram que diferentes órgãos podem envelhecer em taxas diferentes na mesma pessoa. Cerca de 20% das pessoas estudadas tinham um órgão que envelhecia muito mais rapidamente do que os outros. ”
Quem diz não sou eu, mas uma respeitada revista científica, a Nature. Só não entendo por que tiveram de pesquisar: era só me perguntar, e eu lhes teria poupado tempo e dinheiro.
Tudo bem que não sejam exatamente “órgãos”, mas basta olhar para os meus joelhos e seus primos, os cotovelos. Nasceram no mesmo dia, mas os joelhos rangem e resmungam feito velhos ranzinzas, enquanto os cotovelos – apesar das dores que lhes couberam na adolescência – estão novinhos em folha.
O fígado que, sozinho, sempre deu conta do recado – e olha que não faltaram relacionamento tóxicos para filtrar – não aparenta a idade que tem. Os rins, ao contrário, mesmo trabalhando em dupla, vivem pedindo água. Estão acabadaços, talvez por levarem uma vida de Sísifo, rolando pedra pra lá e pra cá.
Ouvi mais do que falei: os ouvidos estão roucos; a língua, atrofiada. Na boca, a faixa etária é ampla: os dentes mastigaram muito, e já passaram por mais procedimentos que qualquer subcelebridade; os lábios beijaram pouco, e são inteiros de fábrica.
Tirando a asma na infância, as bronquites, as pneumonias e uma broncopneumonia, o sistema respiratório foi pouco exigido. Já o estômago… é de taurino – não preciso dizer mais nada. Pulmões 7 x 1 Estômago, é mais ou menos esse o placar.
A pele, exposta ao sol nos anos 70 (quando, para compensar que o protetor solar não existia, abusava-se do bronzeador), carrega seis décadas e meia de cicatrizes. É a fronteira desguarnecida entre mim e o mundo, linha de frente na batalha diária da existência. Os ossos, em tese mais protegidos, não eram assim tão duros de roer, e já andaram se atritando, desarticulando, me tirando do prumo. Pele e osso regulam idade, já a adiposidade…
Amar nunca foi minha ruína: pensar demais, sim. Por isso o cérebro está de andador; o coração, de velocípede. Aurículas e ventrículos continuam em estado de novos (seminovíssimos, eu diria), há muito blindados das mazelas das paixões. Já os neurônios zeraram o odômetro. Foram ao fundo do poço e ao topo da chaminé; conheceram ápices e abismos, gozaram sinapses e hoje amargam lapsos. Com mesma data de nascimento na certidão, o coração é protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – o cérebro, pelo do Idoso.
Para os pesquisadores da Nature eu mandaria esta tabela-resumo, mostrando o descompasso entre o que envelheceu na velocidade da luz e o que se preservou no formol: pele na melhor idade; coração impúbere, 12 anos incompletos. Olhos ainda virgens; fígado, um bebê; os pulmões, um feto. Mãos de namorado, dedos de casado, unhas de viúvo. Bexiga, um lamento; próstata, um tormento; intestino, um uivo. Pés de vento, pernas para que te quero. A morte já nos calcanhares: vida, noves fora, zero.