Quem nunca pensou em morar num cenário de cinema? Ou – vá lá – de televisão?
Eu moro. E garanto: não é tudo aquilo que a gente imagina.
Você assistiu a “The Big Bang Theory”? Meu prédio é igualzinho. Não falo do apartamento espaçoso (com “conceito aberto”), onde moram o Sheldon e o Leonard – mas do elevador, eternamente em manutenção. E logo o de serviço, o único em que é permitido transitar com cachorros. Como praticamente só saio de casa por causa dessas pestes – digo, desses pets –, o jeito é encarar quase 10 andares de escadas. Vale por uma bariteque, custando menos que uma esmartifite.
A plaquinha “Elevador em Manutenção”, de PVC, é mais usada que buzina de moto. Minha sugestão – que qualquer hora apresento numa reunião de condomínio – é trocá-la por uma de bronze, não mais pendurada nos botões de “Sobe” e “Desce” – já que o elevador não desce nem sobe – mas chumbada na parede.
A cabine poderá ser retirada e o espaço – depois de construída uma laje em cada pavimento – transformado num closet do apartamento contíguo (por acaso, o meu atende a esse requisito, mas é mera coincidência). Ou então, se a questão for o custo, instalar um cano daqueles de sede do Corpo de Bombeiros, sabe qual? A subida continuará sendo pelas escadas, mas a descida será bem mais rápida.
Quem não sonha morar em algum lugar que evoque filmes com serenatas apaixonadas, como a do pequeno Elijah Wood (com nove ou dez anos, à época) cantando “You are my sunshine” para o seu primeiro amor? Ou Rodrigo Santoro entoando “Guantanamera” para Débora Falabella, em “A dona da história”? Ou (não é bem uma serenata, mas vá lá) Heath Ledger assumindo o microfone para se declarar a Julia Stiles em “Dez coisas que eu odeio em você”, valendo-se de “Can’t take my eyes off of you”? Ou ainda Ashton Kutcher, de guitarra em punho, na porta da Amanda Peet, maltratando “I’ll be there for you” em “De repente, é amor”?
Aqui tem. Não bem esse repertório, mas é normal acordar às 3h da madrugada com a serenata dos vizinhos de baixo – não sei se exatamente para mim, nem com que intenções, mas com os mesmos decibéis. E uma vantagem adicional: se a serenata de música sertaneja me acordou, é sinal de que eu estava dormindo (ou seja, a televisão ligada do vizinho do lado só conseguiu me manter desperto até por volta da uma, uma e meia).
Obras costumam ter começo, meio e fim, certo? Não por estes lados. Se não é a furadeira no apartamento da esquerda, é a maquita no de cima. Quando o martelete dá uma folga, entra em cena marreta: aqui é o cenário também de uma espécie de “Feitiço do tempo”, com uma obra de Sísifo, que parece recomeçar a cada manhã e não ter ano para acabar.
Mas o cenário é bonito, com o mar e a montanha. A iluminação é boa, com o sol da manhã. O elenco é variado – mais para “Cocoon” que para “Os detetives do prédio azul”. O roteiro, imprevisível. E a trilha sonora… bem, neste exato momento (seja qual for o momento) estará tocando “Evidências” em alguma churrasqueira ou salão de festas.
Não vejo a hora do “The end”.