No começo, os gritos eram Linda!”, “Divina!” (principalmente para Elizeth Cardoso), “Maravilhosa!”.
Depois vieram “Poderosa!”, “Necessária!”, “Absoluta!”.
(Num show da Adriana Calcanhotto, a plateia gritava “Poderosa, gostosa, necessária, absoluta!”. Ela parou de dedilhar o violão e disse “Prefiro ‘gostosa’”. Quem não?)
Elogios são sempre bons. Só que as pessoas, educadamente, esperavam que o artista terminasse sua performance e então… aplaudiam.
Sim, bater palmas era como os antigos manifestavam sua aprovação, seu entusiasmo, sua satisfação com o que tinham acabado de ver ou ouvir. No teatro, eventualmente, rolava um “aplauso em cena aberta” – que, suponho, envaidecia e desconcentrava o artista na mesma medida.
Agora, talvez por influência pela internet, onde as reações são online, o “like” tem que ser imediato. Não dá para esperar terminar a música ou a cena.
– Ainda é cedo, amor…
– Fenomenal! Notável! Deleitosa! Estupefaciente!
– … mal começaste a conhecer a vida…
– Vitaminada! Compulsória! Imprescindível!
– … já anuncias a hora da partida…
– Inenarrável! Implausível!
– … sem saber mesmo…
– Audível! Magnética! Convicta! Empática!
– … o rumo que irás tomar…
E a coisa tomou rumos cada vez mais absurdos. Não duvido que o fã clube não se reúna na véspera diante do dicionário para definir o que esgoelar na hora do show.
– Inconcebível!
– Mas isso não é elogio, é? Minha mãe fala que é inconcebível uma pessoa da minha idade ficar berrando essas coisas nos shows, e a cara dela não era a de quem estava muito orgulhosa de mim…
– Tá aqui, ó: “Inconcebível, adjetivo de dois gêneros. Que não se pode conceber, idealizar, compreender, explicar ou admitir; que é fora do comum, que surpreende, causa espanto ou admiração; admirável, extraordinário, pasmoso, surpreendente”. É elogio, sim.
– Pode até ser, mas nem por isso eu vou gritar “Inadmissível! Incompreensível! Inexplicável!” Fica ambíguo. Melhor não.
– Mas eu gosto tanto de “ambígua”… Imagina ela começar a cantar “Eu vou de escada para elevar a dor” e a gente disparar “Ambígua! Nutritiva! Auspiciosa! Enigmática!”
O importante talvez nem seja a avaliação positiva, mas a disputa acirrada, na plateia, no quesito originalidade.
– Palatável!
– Hipotética!
– Ecumênica!
– Ininterrupta!
Ganha quem usar adjetivos nunca dantes urrados num show:
Aleatória! Convexa! Granulada! Absorta! Broncofaríngea! Albumínica! Intrínseca! Escolástica.
Acho que quando chegar em “broncofaríngea” talvez comece a haver um refluxo (sem trocadilho). Pela primeira vez se pense em esperar a música acabar e então (só então) exclamar “Afinada!”, “Melodiosa!”, “De voz ímpar e timbre de ressonância extraordinária!”.
Não, acho que não vamos chegar a esse ponto.
É mais provável que passem a berrar advérbios de modo.