“Eu não tinha mais do que 5 anos quando pisei no Tablado pela primeira vez. Eu era uma criança inteiramente medrosa, mas, para a surpresa do meu pai, que me levou pra assistir a ‘Pluft, O Fantasminha’, eu não tive medo de nada; ao contrário, me senti profundamente acolhida pela fantasia encenada. Desde então, passei a perseguir essa sensação de acolhimento através da arte. Por ser uma menina ruiva, num país tropical, fui colocada, desde muito cedo, na ‘prateleira dos exóticos’ — isso construiu uma sensação permanente de inadequação e, para atenuar esse desconforto recorrente, eu inventava histórias. Dentro das minhas ficções, eu podia ser o que quisesse, e essa possibilidade de transcender à realidade através da fantasia logo fez muito sentido pra mim. Aos 13 anos, comecei a estudar teatro no Tablado. Dentro daquele espaço, percebi que ser diferente não me diminuía, ao contrário, dentro dos limites do teatro, minha estranheza me singularizava, me tornava única e eu gostava. Apoiada por meus pais, fui fazer faculdade de Artes Cênicas e, aos 23 anos, me tornei bacharel em interpretação pela Unirio. Nunca mais parei de atuar. Quando perdi minha irmã de forma trágica (Maria Antonia, aos 26 anos, de câncer, em 2010), recorri à arte e escrevi um espetáculo teatral para transformar minha dor em poesia. Às vésperas de completar 40 anos, diante de um extenso checklist de desejos não realizados, confrontando a mulher que não estava me tornando ao completar aquela emblemática idade, decidi rodar um documentário sobre desejo feminino, para revisitar a história da sociedade ocidental pelo ponto de vista da mulher, analisando diversas narrativas que forjaram “desejos” que reproduzimos como se fizessem parte de uma “natureza” feminina, mas que não passam de construções sociais assimiladas ao longo de séculos e séculos. Escolhi o Tablado como locação do filme por ser o lugar que despertou em mim talvez o único desejo genuíno que, como mulher, consigo palpar: o desejo de ser artista. A emoção de voltar a este teatro, para encenar uma peça tão significativa, não cabe no dicionário; não tem palavra que dimensione o tamanho do sentido. Mas posso dizer que encenar “Pluft”, neste momento da vida, depois de tantas lutas, tantas batalhas, depois de todas as dores e delícias que vivi como atriz, é uma maneira de reafirmar a escolha de fazer da fantasia uma forma de vida.”
A atriz Maria Eduarda de Carvalho estreia a nova montagem de “Pluft, o fantasminha”, no Teatro Tablado, onde foi encenada pela primeira vez, em 1955. A estreia é no sábado (22/06), às 17h. Desta vez, o fantasma que tem medo de gente é a atriz Bia Linhales, tendo como mãe Maria Eduarda de Carvalho e a menina Maribel interpretada por Joana Florez. Na direção-geral, Cacá Mourthé, sobrinha de Maria Clara Machado, autora do texto. A última montagem foi há 10 anos, quando Cláudia Abreu interpretou o fantasminha, também no Tablado. “Pluft, o Fantasminha” estreou em 1955, no próprio Tablado. A peça passou por uma adaptação para uma minissérie, em 1975, e duas para o cinema, em 1962 e 2022.