Eles são conhecidos por um nome lindo: “millennials”, porque nasceram no fim do milênio passado. Também poderiam ser “centennials”, mas virada de século tem toda hora (ok, só de 876.400 em 876.400 horas, mas você entendeu). Troca de milênio, sim, é uma vez na vida e olhe lá.
Não conheceram a televisão em preto e branco, com bombril na antena. Nunca viram uma lista telefônica. Jamais o xampu ardeu nos seus olhos. Não sabem que, antes de ser alguém para pegar, Crush era algo para beber.
Chegaram ontem e já se sentaram na janelinha, exigindo serviço de bordo sem glúten – ou melhor, gluten free – e deram de criticar tudo o que veio antes deles. Do Big Bang até seu nascimento – em algum momento entre 1981 e 1995 – tudo estava errado. Como se fossem um Sylvester Stallone em “Cobra”, toda a civilização é a doença – e eles são a cura. (Não, eles não fazem ideia de quem tenha sido Sylvester Stallone. Sorte deles.)
Millennials assistem a “Seinfeld” como nós, baby boomers, assistiríamos à Santa Inquisição ou ao rapto das sabinas – murmurando entredentes “Que gente bárbara!” (e é “bárbaro” no sentido que lhe davam gregos e romanos).
“Friends” – o bom e velho “Friends”, aquele seriado com seis adultos infantilizados, morando numa república, lembra? – virou sexista e homofóbico. “Sex and the city” – o bom e velho “Sex and the city”, com quatro mulheres brancas cis heterossexuais ricas vivendo relações tóxicas, lembra? – pois é, virou isso: uma série sem representatividade étnica, sem mulheres trans, com atrizes reféns dos padrões estéticos impostos pela sociedade (nenhuma pesa mais de 120 kg, tem cabelo azul, tatuagem, piercing no nariz ou franja cortada a foice, no escuro).
Pobres millennials! Ah, se eles rebobinassem a fita (eles não sabem o que é rebobinar a fita) e vissem os seriados dos anos 60 e 70…. Aí, sim, a ficha ia cair. (Mas eles não sabem o que é “cair a ficha”.)
Jeannie podia ser um gênio, mas vivia aprisionada numa garrafa, obedecendo às ordens do seu “amo” (seu amo!), o Major Nelson. Não bastasse o machismo, olhaí o militarismo (representado ainda pelo Major Healey e o dr. Bellows, cuja patente não me lembro agora, mas era daí para cima).
Em “Terra de gigantes”, o Fitzhugh não perdia oportunidade de pôr todo mundo em perigo. Adivinhe qual o índice de massa corporal dele? Acertou: era o único com sobrepeso. Em “Perdidos no espaço”, havia um personagem interesseiro e mau caráter, que não hesitava em boicotar toda a tripulação do Júpiter 2 para alcançar seus maléficos intentos. Adivinha se ele não era o único na melhor idade e com orientação sexual… digamos… ambígua. Sim, ele mesmo, o dr. Smith – que, ainda por cima praticava cyberbullying contra uma pobre lata de sardinha enferrujada dotada de inteligência artificial, que nem nome tinha (era só “Robô”).
E a misoginia? Procure uma mulher em posição de comando em “Bonanza”. Não tem. Em Bat Masterson”. Não tem. Em “Viagem ao fundo do mar” – pode ir fundo mesmo: também não tem. Em “Túnel do tempo”, em “Os Waltons”, em “Jornada nas estrelas” – nessa até o slogan está longe de ser inclusivo: “Onde nenhum homem jamais esteve”… (mulher, então, nem pensar).
Onde está a representatividade feminina em “Manda-chuva”? Aquilo era falocentrismo felino em estado bruto: Manda-chuva, Batatinha, Xuxu, Espeto, Bacana e Gênio. Subliminarmente, era um elogio à masculinidade tóxica, em que os machos (de qualquer espécie) se acham o máximo: os personagens são todos uns gatos – e até o guarda (símbolo da opressão e do punitivismo) é um guarda… Belo.
Não faltam duplas masculinas homoeróticas, como Zé Colmeia e Catatau, Chumbinho e Bacamarte, Tom e Jerry, Jambo e Ruivão, Matraca Trica e Fofoquinha (sim Fofoquinha é uma foca macho, eu pesquisei). E nem vou enveredar aqui por searas mais explícitas, como Batman e Robin, o Gordo e o Magro, Butch Cassidy e Sundance Kid, Daniel Boone e Mingo, Mandrake e Lothar e por aí afora. As femininas, só a da Xena, e olhe lá.
Millennial algum sobreviveria à exploração animal de um pastor alemão e de uma collie, em “Rin Tin Tin” e “Lassie”. Ou de um golfinho aculturado, em “Flipper”. Ou de um leão estrábico, em “Daktari”. Ou de uma símia hiperativa, em “Tarzã”.
O que conforta é saber que logo as gerações Z e Alfa começarão a criticar a estreiteza de pensamento dos millennials e sua atração fatal pelo anacronismo (julgar o passado à luz de valores do presente). Ou – melhor ainda! – a geração Ômega (a última antes do degelo das calotas, da revolta das máquinas e da fusão do funk com o reggaeton) vir a ser tão sem noção quanto eles.
E nem será preciso esperar outro milênio.