Márcia foi à cartomante, muito bem recomendada pelas amigas.
— A Bel é incrível! — tinha dito Cármen Lúcia.
— Nossa, me arrepio só de lembrar… — completara Patrícia.
Não precisava ser uma vidente para adivinhar que Sinclair, com quem Patrícia mantinha um relacionamento há oito anos, jamais iria deixar a mulher (“Quando houver divórcio no Brasil, eu me separo!”) para ficar com ela.
Tampouco seriam necessários dons paranormais para prever que o casamento de Cármen Lúcia e Paulo Otávio ia acabar como acabou – ela com os três filhos, o pequinês e o apartamento no Grajaú, ele com o sócio numa pousada em Mauá.
Mas Márcia foi assim mesmo.
O primeiro impacto se deu ao chegar à porta do apartamento onde a cartomante atendia, no Catumbi. Logo abaixo do número (era o 419, e ainda devia haver mais uns sete ou oito no andar), lia-se, numa letrinha quase infantil: “Madame Yoshabel”.
O “Yoshabel” lhe deu calafrios (“É fria”, pensou – ela que esperava por Mabel, Isabel, Anabel, até mesmo Jezebel). O “Madame” lhe deu a certeza.
Mas já estava lá. E já tinha passado o doc e mandado o comprovante por fax (“Ela não cobra nada, mas é elegante da nossa parte fazer um doc antes, com um valor simbólico de CR$ 75,00, para as despesas dela em nos receber”, tinham informado as amigas). Tocou a campainha.
Madame Yoshabel (“Pode me chamar de Bel”) abriu a porta vestindo um caftan que, em vez de camuflar a silhueta, a acentuava. Tinha cara de professora de geografia (aposentada) e olhava por cima dos óculos (que se equilibravam na ponta do nariz, a salvo do risco de queda porque agarrados numa correntinha de plástico).
Sentaram-se em torno de uma Saarinen já catimbada (“Comprei a preço de banana, porque um dia vai voltar à moda”), e Madame Yoshabel perguntou o que a trouxera ali.
Márcia não queria saber de amores (“Que pena! Teria uma boa e uma má notícia para te dar”), de amigas invejosas (“Tá bom, não quer saber, eu não falo. Mas eu, se fosse você…”) ou de doenças (“Melhor mesmo, porque é uma que nem existe ainda”). Estava ali para tratar de negócios: queria abrir uma empresa, algo que tivesse futuro.
— Creme depilatório. No futuro todo mundo vai se depilar.
— Homem também?
— Também, não: principalmente. Mulher vai deixar de raspar o sovaco; em compensação homem vai começar a depilar peito, costas, “lá”. Tudo.
Márcia encarou a vidente, para se certificar de que ela não estivesse brincando. Não parecia estar. Mudou de assunto:
— Eu terminei um curso de datilografia, estou estudando inglês e…
— Esquece. No futuro as pessoas vão se comunicar com desenhos. Carinhas, sinaizinhos de positivo. Tipo hieróglifo, sabe? Você vai falar para a máquina de escrever (que vai ter outro nome) e ela transcreve numa espécie de televisão acoplada. Não precisa se preocupar em separar sílaba nem se a palavra é com S, Ç, X ou SS, que a máquina de escrever corrige sozinha. E traduz também.
Márcia pensou em quanta coisa mais útil poderia ter feito com os Cr$ 75,00, mas era tarde.
— Negócio de futuro — continuou Madame Yoshabel – vai ser filmar você mesma abrindo embrulho e mostrar para os outros. Tirar foto de comida e mostrar para os outros. Tirar foto pelada e vender para os outros.
Márcia não sabia o que pensar. Tentou dizer que, como todo mundo tem se vestir, pensava em investir nessa área.
— Roupa rasgada.
— Como?
— Quer investir em moda? Comece a não jogar fora roupa rasgada. Vai ser mais cara que roupa nova, inteira.
Márcia nem aceitou o cafezinho (“É sem açúcar, porque, no futuro, açúcar mata. E sem cafeína também, porque…”) e desceu de escada mesmo, para não correr o risco de Madame Yoshabel dizer mais nenhum absurdo enquanto ela esperava o elevador.
Dar ouvidos a videntes, onde já se viu? Márcia procurou um consultor de negócios, juntou tudo o que tinha e montou uma videolocadora.