Decreto sobre o tema ajuda a acabar com conflitos no Rio. Procurado, Fernado Blower, presidente do SindRio, conversou com a coluna.
Para muitos moradores do Rio, sair de casa para ir a bares ou restaurantes sem mesas na calçada beira o impensável. Boa parte dos turistas também torce o nariz para estabelecimentos que não colocam cadeiras do lado de fora — à exceção dos viajantes que não trocam o ar-condicionado nem pela vista mais impactante da cidade.
Se não faltam entusiastas, a quantidade de pessoas que fecham a cara, só de pensar em empreendimentos que se espalham pelas calçadas, também não é pequena. Os opositores, via de regra, moram na vizinhança de estabelecimentos do tipo, mais exatamente de estabelecimentos que descumprem as regras em vigor.
Publicado no Diário Oficial do Rio, em dezembro, um decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes ajuda a acabar com os impasses suscitados pelas mesas e cadeiras nas calçadas cariocas. Trata-se da regulamentação da lei sobre o tema que foi promulgada pela Câmara Municipal em dezembro de 2020. Com o decreto, esta deixou de ter prazo de validade; agora, portanto, é para valer.
De tão restritiva, a legislação anterior acabava estimulando a ocupação das calçadas de maneira irregular. Com a nova lei, bem mais contemporânea, fica mais fácil colocar mesas e cadeiras do lado de fora, sem infringir nenhuma norma.
A nova legislação é fruto da mobilização do SindRio, através do seu presidente, Fernando Blower, e do vereador Rafael Aloisio Freitas (PSD), dentre outros. Estar na rua, do lado de fora, faz parte do estilo de vida carioca. Além disso, mesas e cadeiras nas calçadas ajudam a aumentar o faturamento de bares e restaurantes; consequentemente, melhoram as taxas de emprego e a arrecadação de impostos. E mais: tornam as ruas do Rio de Janeiro mais seguras, pois, afinal, com mais gente do lado de fora, os trechos ermos da cidade diminuem. “Além de gerador de empregos, o setor de bares e restaurantes fomenta o turismo, colabora com a segurança pública, trazendo vida e movimento para a cidade, e a maioria dos cariocas gosta de sentar ao ar livre”, destaca Rafael.
Muitos cariocas concordam com cada uma dessas palavras — desde que seja em outra vizinhança. Infelizmente, essa discussão ainda é marcada pela lógica do “não no meu quintal”, que, em inglês, ganhou um acrônimo: “Nimby”, de “Not In My Backyard”.
Em resumo, o decreto determina que é preciso manter um corredor de 1,50m de largura para a circulação de pedestres. Os estabelecimentos precisam demarcar o espaço destinado a mesas e cadeiras; não podem instalar TVs e caixas de som voltadas para o público externo; estão proibidos de promover música ao vivo na área externa; e devem obedecer ao limite de horário de funcionamento.
Quem pode colocar mesas e cadeiras nas calçadas? Bares, restaurantes, lanchonetes e estabelecimentos similares, desde que devidamente licenciados. Os interessados precisam preencher o requerimento disponível no portal Carioca Digital.
Dark kitchens também foram contempladas pela nova legislação: agora, estabelecimentos do tipo estão autorizados a colocar uma mesa de apoio na calçada para os entregadores. E podem delimitar vagas para os veículos de entrega mediante autorização da CET-Rio, que impõe regras específicas.
O decreto também dá sinal verde para a colocação de mesas e cadeiras em vagas de carro nas ruas — depende de uma aprovação prévia da CET-Rio. Vale só às quintas, sextas e vésperas de feriados, a partir das 18h; sábados, a partir das 16h, e domingos e feriados, a partir das 12h. Nas sextas, sábados e vésperas de feriados, o espaço deverá ser liberado até as 2h do dia seguinte, e quintas, domingos e feriados, até as 23h. A fiscalização está a cargo da Secretaria de Ordem Pública (SEOP).
“A não ser em dias de 40°C, os cariocas preferem as áreas a céu aberto”, diz a chef Bianca Barbosa, que é dona de dois bares no Rio de Janeiro, o Kalango, em Botafogo, e o Vendinha, na Tijuca. “A regularização do uso das calçadas é bem-vinda porque ajuda os empreendedores a saber exatamente o que pode e o que não pode ser feito”.
Não fosse a pandemia, a legislação aprovada em 2020 provavelmente teria entrado em vigor há mais tempo. Convém lembrar que imagens de aglomerações no Leblon, logo após a reabertura dos bares e restaurantes no Rio de Janeiro, correram o país. Pegaram mal, e a conta acabou sobrando para os estabelecimentos, mesmo para aqueles que seguiam as regras da época à risca.
Resultado: diversas cidades, a exemplo de São Paulo, se viram obrigadas a proibir o uso das áreas externas naquele período. Paris, Nova York e Roma, no entanto, entre outras grandes metrópoles de fora, optaram pelo caminho oposto, certas de que favorecer o uso de áreas ao ar livre fazia muito mais sentido naquele contexto. E em qualquer contexto — não por acaso, os estabelecimentos mais concorridos de muitas cidades, a exemplo de Paris, são aqueles com mesas e cadeiras nas calçadas.
No Rio, as áreas externas explicam boa parte da fama de muitos bares e restaurantes concorridos. O que seria do bar Urca, por exemplo, sem a calçada do outro lado da rua, que descortina uma das vistas mais deslumbrantes do Rio de Janeiro?
Também é o caso do Boteco Rainha, no Leblon, do chef Pedro de Artagão. O estabelecimento foi inaugurado na primeira trégua da quarentena, em julho de 2020, quando reencontrar os amigos com direito a chope e petiscos era o único sonho de muita gente. Por favorecer encontros a céu aberto, virou um sucesso instantâneo — e a ponto de levar Artagão a criar outros empreendimentos do tipo.
Outro estabelecimento que deve muito à calçada é o Pabu Izakaya, também no Leblon. Quando abriu as portas, em 2017, ele se limitava à acanhada área interna. Quando começou a colocar mesas e cadeiras do lado de fora, passou a atender o dobro de gente. “Essa decisão foi muito importante para o crescimento do negócio”, diz o chef Luiz Petit, um dos sócios do Pabu. “Nos obrigou até a contratar mais gente”.
Com a vizinhança, jura ele, o Izakaya jamais teve problemas. “Com mesas na calçada, ajudamos a manter a rua mais movimentada, o que os moradores do entorno, que são nossos clientes, reconhecem”, acrescenta o empresário. “Para evitar problemas com a vizinhança, o único segredo é respeitar todas as regras”.
Fernando Blower é presidente do SindRio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro.