Em postagem na rede X, no sábado (06/04), o empresário e atual dono do X (ex-Twitter), Elon Musk, questionou Alexandre de Moraes sobre possíveis casos de censura à liberdade de expressão por decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal envolvendo a mídia do herdeiro sul-africano.
Como se sabe, o direito de liberdade de expressão é um dos cernes do Estado Democrático de Direito, estando previsto em nossa Constituição. Não se pretende aqui discutir todos os meandros das decisões do ministro em face do X, mas sim apontar brevemente os perigos dessa crítica vazia às decisões de Moraes.
Muitos influenciadores da Internet confundem liberdade de expressão com direito irrestrito de se expressar. Não é preciso se alongar muito, para afirmar que, em nosso sistema jurídico, não existem direitos absolutos, nem mesmo aqueles mais caros e sensíveis, como é o caso da liberdade de expressão. Todo direito tem limite, inclusive a liberdade de expressão.
Ao se definir como um defensor absolutista (sic) do direito de liberdade de expressão, Elon Musk acaba por contradizer o sentido fundamental do Direito, que é o de otimizar e harmonizar os diversos direitos existentes no seio social.
Se, de um lado, há o direito de se expressar, há também, do outro lado, os direitos da sociedade em relação àquilo que se pretende comunicar. Não se pode, por exemplo, aceitar que a liberdade de expressão provoque a desinformação em matérias sensíveis, como saúde pública etc.
Quando se fala de Direito, nunca se pode perder de vista a máxima jurídica de que o direito de cada um começa onde o do outro termina.
Por conta disso, é intuitivo que inexiste qualquer país civilizado onde haja absoluto direito à liberdade de expressão, sendo este direito limitado por uma série de regulamentações, seja de cunho civil, seja, até mesmo, criminal, como a proibição de difamação, por exemplo.
Liberdade e censura
Confundir limites à liberdade de expressão com censura é muito comum e, em alguns casos, tênues; é realmente difícil distinguir. A liberdade de expressão é um dos direitos basilares numa democracia e zelar por ele é um dever de todos nós.
Todavia, não se pode aceitar que, sob o manto do sagrado direito à liberdade de expressão, cometam-se crimes ou mesmo se defenda um direito absoluto de disseminação irrestrita de informações falsas nas redes sociais.
Não é preciso grandes elucubrações para reconhecer o potencial nocivo que tais atividades podem causar no meio social, muitas vezes provocando prejuízos irreparáveis para indivíduos e coletividade.
A defesa de uma liberdade absoluta do direito de expressão prejudica a própria liberdade de expressão daqueles que mais necessitam dela, uma vez que todo excesso no uso de qualquer direito pode acabar por provocar a restrição de seu alcance.
STF
Com todos possíveis equívocos e falhas que se possa apontar no Poder Judiciário brasileiro, não é minimamente razoável e até mesmo constitucional conceber que uma empresa de comunicação estrangeira possa se negar a cumprir decisões do sistema jurídico brasileiro.
Ora, ao afirmar que irá afastar restrições determinadas pelo Poder Judiciário brasileiro, o empreendedor Elon Musk põe em xeque a própria soberania nacional.
Com efeito, o poder de ditar normas com eficácia máxima social é normalmente apontado como sendo da esfera estatal. Contudo, o século XXI tem trazido inovações nesse aspecto, sendo cada vez mais comum aceitarmos normas que regulam nossa vida, mas que são ditadas, de maneira praticamente unilateral, por corporações privadas, sem intervenção alguma do Estado.
Questiona-se até onde tal fenômeno de despublicização das normas jurídicas vai chegar, sendo este caso de Elon Musk bastante emblemático.
Quem deve controlar
O que está em jogo, basicamente, é quem deve controlar e quais normas devem prevalecer nas redes sociais: aquelas normas determinadas na política interna da própria empresa, regulada e aplicada pela própria empresa privada ou o sistema jurídico nacional, cuja autoridade máxima, no caso brasileiro, são os ministros do STF.
Ao tratar o tema de maneira tão superficial e rasa, com frases de efeitos intimidatórias, típicas da infantilidade das discussões em rede social, corre-se o risco de reduzir o debate de liberdade de expressão e regulação das redes sociais a um oportunista uso político do tema, distorcendo a importância e complexidade da matéria.
No final, o resultado prático dessa discussão rasa é negar a soberania brasileira e fragilizar ainda mais suas instituições.
Ainda que seja óbvio, é preciso salientar que não há nenhuma garantia de que o interesse de Musk seja apenas e tão somente o de preservar a liberdade de expressão do povo brasileiro.
Ainda que ele ressalte que sua atitude tem como norte princípios, nem sempre é possível ver essa mesma preocupação em outros casos simbólicos.
Por maior que seja o culto de sua personalidade por parte de alguns, não há nenhuma legitimidade de sua pessoa para se posicionar acima da ordem jurídica brasileira, ainda que supostamente tenha as melhores intenções.
Não se pode deixar que a excessiva polarização — típica das redes sociais e que anda cada vez mais intensa na seara política brasileira — cegue as autoridades públicas sobre a necessidade de um debate sério e austero sobre a regulamentação das redes sociais.
É extremamente temeroso subordinar os sensíveis interesses nacionais que permeiam o tema (regulamentação de redes sociais) ao livre arbítrio de um estrangeiro (ou corporações privadas estrangeiras).
No entanto, é preciso estar atento também que, sob o pretexto de regular as redes sociais, deprecie-se o direito constitucional de livre expressão, protegido pela Constituição. Cabe, assim, às diversas esferas da sociedade civil fiscalizar a regulamentação dessa área.
Nem mesmo o empreendedor-celebridade Elon Musk pode substituir a sociedade nessa tarefa. Cabe ao povo brasileiro (e somente a ele) percorrer o longo, arenoso e difícil caminho de aperfeiçoamento de suas instituições.
Ao dizer que não vai respeitar o Poder Judiciário brasileiro, parece que Elon Musk conhece a máxima de que “Deus é brasileiro” e deseja agora ocupar o seu lugar.
Filipe Nicholas Moreira Cavalcante de Oliveira é graduado e mestre em Direito pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), e servidor do MPF (Ministério Público Federal), além de colaborador para sites e revistas de Direito, como o Conjur, onde foi publicado originalmente o texto.